Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 11 de julho de 2010




    Bolero

      Noite de sábado em Salvador, um bar qualquer na Barra e um pequeno conjunto toca num ritmo gostoso, músicas antigas e novas, gêneros misturados. O pequeno público espalhado em meia dúzia de mesas canta junto, alguns mais afinados pedem pra cantar ao microfone e surpreendem: verdadeiros cantores anônimos.
      Do outro lado da rua, um catador de latas começa a dançar. Ninguém presta muita atenção, mas ele não canta pra aparecer, parece estar realmente embalado pela música. Um freguês, sentado a uma roda de homens muito animada, atravessa a rua e lhe entrega um copo de cerveja. Volta e continua bebendo e dando risadas com os amigos. A solidariedade se instala naquele canto de mundo.
      Carros brilhantes passam devagar, curiosos pelo intrigante fenômeno da alegria coletiva e saltam deles pessoas bem vestidas, que em outros ambientes estariam preocupadas em mostrar carros e roupas, mas ali, despem-se de vaidades e se reúnem ao grupo que vai aumentando. Sentem-de bem, libertos das competições, contaminados pela atmosfera democrática. Gente de todas as cores, idades e rendas bebe da cerveja da solidariedade e canta a alegria de viver, recordando-se de que é possível ser feliz num mundo chato, que nos transforma em competidores mesquinhos e consumidores idotas.
     A celebração da vida no pequeno e despretensioso bar, me lembrou de como nos tornamos distantes de coisas que nos pertenciam. A copa do mundo, futebol alegria do povo, virou um grande negócio que faz fortunas e movimenta bilhões. Ainda é bom? É, mas começa a ficar chato quando vira uma obrigação de vencer, o tal futebol de resultados. Perde a alegria, a arte, a brincadeira. Claro que esporte é competição, mas alguém se lembra do que era futebol amador?
     E a política? Vocês já viram uma campanha eleitoral mais distante do povo que esta? Tudo é resolvido em conchavos, acordos, alianças, à custa de promessas de cargos e outras coisas impublicáveis, mas que todos nós sabemos como ocorrem entre o que financiam as campanhas e os candidatos.
     Serra tem cara de vampiro, apesar das plásticas. Dilma ficou com um visual ótimo, que no entanto, não combina com a sua voz, que continua a mesma, como no antigo anúncio. Ainda não dá pra fazer plástica na voz e ela revela muito da personalidade. Por trás da cara recauchutada surge a velha voz autoritária, dura.
     Marina Silva tenta ser doce, tenta ser a volta de um sonho, um Lula de saias, com seu passsado pobre, mas não convence muito quando se alia a um mega-empresário. Na verdade tudo parece um remake de filme antigo, que já assistimos e ficamos tentando lembrar, achando que a primeira versão era melhor. Aí podemos escolher: filme de terror, com Serra (A volta dos mortos vivos ou A privatização contra-ataca?), filme policial com Dilma (Dura de matar?), ou um musical holiwoodiano com Marina (A noviça rebelde da floresta...).
     Aliás os dois últimos governos, Lula e FHC (e lá se vão 16 anos de social-democracia) nos governaram, sem que participásssemos deles. Já perceberam? Não fomos chamados para nada, nem para opinar, nem para nos mobilizarmos, nem mesmo para referendar nada. Tudo conchavos e acordos distantes do povo. Enquanto isso, o capitalismo, com ajuda dos donos da mídia e da opinião pública, segue nos transformando em robôs consumidores, aos quais não é dado o direito de mudar nada.
     A música no bar me trouxe de volta à realidade da nossa cultura e da nossa força, enquanto povo capaz de comandar seu próprio destino. Entre sambas, boleros, bossa-nova e jazz, me lembrei de que nós estamos vivos e podemos mudar tudo isso.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

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