O Paiz
Lógica Corporativa, lógica burocrática e lógica cidadã
Impressinonante como as empresas tentam impor aos cidadãos a lógica que rege seus negócios. O mundo corporativo é movido por uma cultura própria, baseada na competição e que valoriza a capacidade de convencimento e de liderança.
Quem já trabalhou em grandes empresas sabe o que é ouvir essas aulinhas de como se comportar, como ser "ético" (ou o que eles consideram que seja ética, como por exemplo, não usar produtos dos concorrentes), como "vender" sua imagem para ser bem sucedido, influenciando pessoas e chefes para conseguir bons resultados no seu trabalho, e até como se pronunciar nas redes sociais, evitando ser crítico, para que o olho dos empresários na rede não identifique na pessoa uma possível fonte de problemas.
Por outro lado, quem já trabalhou em órgãos públicos sabe como funciona a lógica da burocracia. "quem pode manda e quem tem juízo obedece", diz um dos mais odiosos ditados brasileiros, que serve de justificativa para toda corrupção que anda por aí. Aliás a corrupção também existe nas empresas privadas e, frequentemente, anda de mãos dadas com a corrupção nos órgãos públicos, como podemos ver nos esquemas denunciados no escândalo conhecido como Mensalão.
Mas a lógica burocrática, fundamentalmente, busca a riqueza através do poder, enquanto a lógica corporativa é o inverso, buscando o poder através da riqueza.
A lógica burocratica preza antes de tudo a obediência, que garante a eficiência do poder exercido pelos que estão no comando, e através dele, seu acesso à riqueza. A lógica corporativa preza a eficiência, que garante os lucros que vão gerar o poder, que se estrutura ao redor do dinheiro.
Contra as duas, existe a lógica da cidadania, que é a do bem estar coletivo, dos direitos civis e humanos, que se estruturam através das leis. É a lógica do progresso da humanidade em direção à um mundo melhor, onde todos tenham acesso aos bens e serviços que os valorizem como ser humanos e lhes permitam buscar a felicidade.
O entrelaçamento dessas três lógicas, desses três discursos, se dá nos meios de comunicação e nos chamados "aparelhos ideológicos" da sociedade, (escolas, mídia, igrejas, etc), resultando numa formação discursiva que pode tender mais para uma ou para outra lógica.
No capitalismo extremado a lógica corporativa transforma tudo em mercadoria, enquanto nos regimes com tendências estatizantes a lógica da obediência, baseada no patriotismo e em outras justificativas, prevalece. Nas sociedades profundamente democráticas, a lógica da cidadania se sobrepõe às outras duas e as domina, transformando empresas e Estado em instrumentos de progresso da humanidade.
Nada disso, porém, fica claro para a população, que oscila entre uma e outra lógicas, enquanto vai formando sua experiência de vida coletiva. Países mais desenvolvidos tendem à terceira lógica, a da cidadania, mas como todos os demais, sofrem intensa pressão dos outros dois grupos.
O Brasil avançou muito na cidadania, mas ainda não foi capaz de identificar com clareza os grupos que trabalham contra ela, seja no poder estatal, seja no mundo corporativo.
O julgamento do mensalão talvez seja uma excelente oportunidade para passar isto à limpo, principalmente quando se conta com juízes da estatura de um Joaquim Barbosa, verdadeiramente comprometidos com a cidadania brasileira.