Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 4 de setembro de 2011

Rapidinhas

Carmem


     Foi com prazer que assisti, na terça-feira passada, dia 30 de agosto, em Salvador, à banca de doutorado em Artes Cênicas, da diretora teatral Carmen Pasternostro Schaffner, intitulada: "Da dança expressionista alemã ao teatro coreografado da Bahia: aspectos interculturais e pós dramáticos em Dendê e Dengo e Merlin." 
     A autora fez um histórico do surgimento da dança expressionista na Alemanha, mostrando como essa escola influenciou o teatro baiano, através de profesores alemães que vieram para cá após a guerra, e a repercussão disso nos espetáculos montados por ela, intitulados Dendê e Dengo e Merlin, na década de 1990.
     Além da belíssima exposição da doutoranda (agora já doutora), a banca de altíssimo nível a arguiu durante mais de duas horas, demonstrando conhecimento profundo do seu trabalho e dos temas por ela abordados, resultando numa verdadeira aula para os assistentes.
     Um dos aspectos mais intrigantes, levantados pelo trabalho, foi a relação proposta por ela entre a dança expressionista alemã e o nazismo, que teria se apropriado de muitos elementos presentes no imaginário dessa escola para criar o mito da raça superior, do corpo perfeito, etc.
     Muitos desses mitos, que surgiram no início do século na Alemanha, como o naturismo, o vegetarianismo, a busca pela saúde, perfeição e beleza do corpo, ainda estão presentes na sociedade atual, sem que essa relação nunca tivesse se revelado para mim.
     Também a questão da colaboração entre artistas da época e o regime nazista provocou celeumas muito interessantes, fazendo eco a situações contemporãneas, como a possibilidade de que artistas brasileiros tenham também colaborado com a nossa ditadura militar e a espécie de censura que o neoliberalismo exerce hoje em dia sobre as artes, através de sua lógica mercadológica.
     Valeu a viagem.
    
Chega de Corrupção


     Não dá mais.
     A absolvição de Jaqueline Roriz, em votação secreta, pela Câmara dos Deputados, foi um tapa na cara dos cidadãos brasileiros.
     Não podemos nem saber quem votou a favor de tal vergonha.
     Está na hora de mudar um sistema que permite essas coisas e que mantém uma presidente, que está disposta a fazer uma faxina ética, como refém de grupos de ladrões, escondidos dento do Congresso Nacional.
     Não dá mais pra aguentar prefeitos roubando ou permitindo que seus protegidos roubem, e fazendo o que bem entendem, enquanto uma justiça lerda não consegue impedir que merenda escolar seja desviada e crianças fiquem passando fome na escola, porque a lei permite sempre mais um recurso, mais um adiamento, mais uma forma de enganação, e nosso dinheiro continua indo para o bolso dos ladrões.
     O Brasil precisa de duas reformas urgentes: uma na justiça e outra na política. Na justiça pra que ela se desburocratize e possa ser fiscalizada pelos cidadãos e na política para que se formem maiorias estáveis no Congresso Nacional, que não dependam de apoios de patidos de aluguel, onde se alojam a maioria dos corruptos.
     Uma solução seria o parlamentarismo, onde a maioria governa e pronto. Mas isso á foi rejeitado duas vezes, em plebiscito, no Brasil. Quem sabe adotamos a solção francesa, que mistura os dois sistemas, dividindo poderes entre o presidente e o parlamento.
     Nada a ver com a tal reforma política que gente do PT, ligada à José Dirceu, quer aprovar, que é o tal voto em lista, que na prática significa a cassação do nosso direito de escolher e a consagração dos grupinhos corruptos, que ficariam livres para montar seus esqueminhas no Congresso, amarrando as eleições aos seus interesses.
     Ao contrário, o que precisamos é acabar com as listas e coligações eleitorais, para que os mais votados entrem, sejam eles do partido que forem, acabando com essa prática de transferir votos de um candidato para outro.
     Só assim pequenas minorias conseguirão ser representadas.
     Depois, dentro do Congreso, baseado em interesses coletivos claros e explícitos, poderão se formar coligações.
     Está na hora do Brasil se levantar contra tudo isso, caso contrário nunca seremos um país forte e desenvolvido e permaneceremos para sempre reféns desses bandidos engravatados.

O ovo da serpente

     Quando Ingmar Bergmann fez o filme O ovo da serpente, em 1977, expôs o nervo mais frágil do sistema capitalista: o fascismo adormecido, intrínseco ao sistema, que poderia ressurgir à qualquer momento, como um ovo deixado por uma serpente dentro do guarda-roupa de uma casa, depois de uma reforma.
     A terrível revelação das experiências médicas realizadas pelos americanos na Guatemala, nos anos 1940, e no próprio território americano, em cidadõas negros do sul, revela que ele tinha razão.
     Médicos americanos inocularam virus de doenças venéreas em pessoas saudáveis na Guatemala, inclusive crianças, simplesmente para usá-las como cobaias, observando o avanço de doenças como sífilis, gonorréia e outras, de modo a poder desenvolver medicamentos contra essas doenças. 
     Essas pessoas não sabiam que estavam sendo usadas, mas antes, achavam que estavam sendo cuidadas pelos médicos. A comparação com as experiêncas nazistas em seres humanos não é mera coincidêcia.
     Observem o conteúdo racista das "experiências", feitas em latinos-americanos e negros e nunca em caucasianos brancos. 
     Nos Estados Unidos, as experiências prosseguiram, pasmem, até 1972.
     Como reação às revelações devastadoras, o presidente americano pediu "desculpas". Só isso? Ninguém vai ser preso? Ninguém vai ser indenizado? Não haverão investigações para saber se as indústrias farmacêuticas, agora mesmo não estarão fazendo outras experiências em países da África ou da América Latina (como no filme O jardineiro fiel de Fernando Meireles)?   
     Essa é a pátria da democracia e dos direitos humanos?

Adiós Piñera 


     O presidente do Chile Sebástian Piñera já provou que não tem nada a dizer ao povo.
     Continua insistindo em manter a educação privatizada, modelito implantado pelos americanos, adeptos do ultra neoliberal Milton Friedman, nos anos 90, durante a ditadura de Pinochet, quando tentaram transformar o Chile numa vitrine do neoliberalismo na América Latina.
     Aliás nossos colonizados meios de comunicação continuam repetindo essas besteiras, de que o Chile é um país desenvolvido, o país mais civilizado da América do Sul e outros coisas do gênero. 
     Estive lá em 2009 e, tirando alguns espigões de muito mal gosto construídos no centro, encontrei a mesma pobreza de quando eu vivi por lá, há quase 40 anos atrás, com a diferença de que naquela época havia muita esperança de transformação e agora o povo não aguenta mais uma transição para a democracia que não acaba nunca.
     O que o Chile precisa é de uma Assembléia Constituinte, livre e soberana, para reconstruir suas instituições destruídas pela direita e retirar o que no Brasil chamávamos de "entulho autoritário", ou seja, um monte de leis feitas pela ditadura e que impediam o livre exercício da democracia.
     Os estudantes querem educação pública e gratuita em escolas públicas. Não é uma coisa lógica?
     Ao se negar a dialogar, Piñera assina seu atestado de óbito político e prepara o terreno para uma renovação das esquerdas chilenas. Entre as novas lideranças que surgem está a belíssima líder estudantil, Camila Vallejos, de 23 anos.
     Adiós señor Piñera. Viva Chile!

10.000 acessos


     Esta semana atingimos a marca de 10.000 acessos, nos dois anos do blog.
     Para um blog de opiniões, creio que é uma marca expressiva e agradeço aos leitores eventuais e aos meus 28 seguidores pelo interesse e participação.
    
Políticas Públicas:
A experiência dos comunistas

     Esse é o título do livro organizado pela Fundação Maurício Grabois e publicado pela Editora Anita Garibaldi, reunindo experiências de gestores pertencentes ao Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, nos dois governos do Presidente Lula e em alguns governos estaduais e municipais.
     Dividido em 12 temas, Gestão Pública; Esporte e Lazer; Energia; Cidades, Meio Ambiente e Sustentabilidade; Identidades e Segmentos Populacionais; Cultura; Educação, Ciência e Tecnologia; Saúde; Regularização Fundiária e Reforma Agrária; Trabalho e, finalmente, Políticas públicas: o papel da coordenação política, o livro se divide em 29 artigos, além de uma apresentação, de Adalberto Monteiro, um prefácio de Mário Pochmann e uma introdução de Renato Rabelo, o Presidente do Partido.
     Os artigos, relatando experiências de membros do PCdoB na gestão pública tem algumas coisas em comum e outras muito diferentes.
     Entre as coisas em comum, a mais frequente é a referência a um novo projeto nacional de desenvolvimento (subtítulo do livro), projeto este que não fica claro em nenhum momento, a não ser em alguns aspectos mais ligados às suas consequências sobre o bem estar da população, como a "busca por mais empregos, melhores salários, salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres, ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários; pela formalização do mercado de trabalho" (pg 402), o que configura uma antiga agenda trabalhista.
     Outra coisa em comum, mais significativa, é a busca pelo reaparelhamento e reorganização do Estado, de forma que este possa desempenhar seu papel de transformar a vida das pessoas, trazendo melhorias e ampliando seus direitos. Também a questão da busca pela probidade administrativa e do combate aos interesses personalistas em detrimento do interesse público, parece estar presente em quase todos os depoimentos. Coisas positivas, num Brasil que padece do mal crônico da corrupção.
     Como não podia deixar de ser, os depoimentos diferem na maneira de expor os fatos e na visão dos gestores. Alguns fazem mera propaganda dos seus trabalhos, ocultando as dificuldades e os méritos de seus antecessores,  talvez usando a publicação como trampolim para alguma futura oportunidade eleitoral, como o artigo de Orlando Silva e Cássia Damiani intitulado "O Esporte e o projeto de Desenvolvimento para o Brasil".
     Outros relatam suas experiências, contorcendo-se entre justificativas para trabalharem sob o capitalismo, dando a impressão de se sentirem mal nos postos, como se estivessem traindo a revolução, desconfortáveis pelo fato de serem responsáveis por políticas públicas dentro de um sistema que condenam, embora sigam em frente e apresentem bons resultados.
     Há ainda os que tem muito a apresentar, mas o fazem em forma de verdadeiros relatórios de prestação de contas, o que torna a leitura cansativa, como no caso do Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre, ou tem pouco a mostrar e se perdem em palavras de ordem e bonitas intenções, como no caso da Coordenadoria da Juventude do Rio de Janeiro.
     Mas há os que são tranquilamente honestos e relatam suas dificuldades, suas lutas para vencer a burocracia, a ineficiência, destacando também as contribuições de pessoas que não são do Partido, mas que tiveram participação importante, revelando transparência de caráter e nos passando um panorama mais real da administração pública no Brasil.
     Dentre estes gostaria de destacar os textos "Construindo um sistema municipal de esporte e lazer", de Luiz Carlos Orro de Freitas, que conta sua interessante e criativa experiência como titular da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Goiânia; "Experiência exitosa em regulação de serviços públicos na capital do Rio Grande do Norte", de Urbano Medeiros Lima, descrevendo a experiência de transformar uma pequena e desprestigiada agência reguladora de águas em um órgão atuante e ligado ao movimento social; " Não é fácil", de Célo Turino, que descreve a importantíssima experiência de implantação dos pontos de cultura no Brasil à partir do Minstério da Cultura e faz uma análise devastadora da lógica da burocracia; "Jogo de Xadrez", do médico João Ananias, relatando sua administração à frente do Município cearense de Santana de Acaraú e depois como Secretário de Saúde do Ceará e "Superintendência do Patrimônio da União no Pará: uma fábrica de cidadania", de Lélio Costa da Silva, sobre o excelente trabalho de regularização fundiária realizado pelo SPU no Pará.
     É claro que uns tem o dom de escrever melhor, o que não desmerece as outras experiências, mas o que salta aos olhos é o caráter subalterno da maioria das repartições públicas atribuídas ao PCdoB, com grandes excessões, como a Agência Nacional de Petróleo, dirigida por Haroldo Lima, cuja competência e compromisso com os interesses nacionais ninguém questiona.

     Mas é nas pequenas experiências que o caráter inovador e reconstrutor do papel do Estado se destaca.
     A impressão que se tem é que dão ao PCdoB, inicialmente, órgãos públicos completamente desaparelhados e desmoralizados, coisas que ninguém quer, talvez apenas para satisfazer um partido minoritário na divisão de cargos, talvez na tentativa de desmoralizar os comunistas, apostando no seu fracasso, ou ambos. E é aí que os comunistas fazem mais bonito, recuperando, reaparelhando, criando legislações, reorganizando carreiras, formando quadros funcionais, colocando a casa em ordem e botando pra funcionar órgãos propositalmente esquecidos por décadas de abandono e, o mais importante, construindo laços entre o poder público e a população através de uma prática democrática participativa.
     Realmente uma nova escola de gestão pública, que vai, inclusive, muito mais fundo na ligação com o movimento popular do que os governos petistas, mais limitados nas suas consultas ao povo, através dos seus orçamentos participativos.
     É claro que existem também alguns depoimentos ruins, inclusive o que fecha a edição, do deputado Aldo Rebelo, se dizendo orgulhoso em defender o governo no episódio daquela triste reforma da previdência feita logo no início do primeiro governo Lula, em defender o governo das denúncias do mensalão, em defender Severino Cavalcanti na presidência da Câmara dos Deputados e, finalmente, em defender o novo Código Florestal, que anistia os desmatadores, do qual ele foi inclusive relator.
     Justifica tudo isso dizendo que o mais importante era "defender o governo". Podemos imaginar onde isso poderia parar, na medida em que em seu depoimento parece não existir princípios a defender, mas apenas circunstâncias favoráveis que tinham que ser preservadas a qualquer preço.Um filme antigo, de trágicas consequências em muitas partes do mundo, que levou inclusive à derrocada do socialismo no leste europeu.
     Mas prefiro ficar com as palavras de João Ananias, o médico cearense, este sim muito sensível ao sofrimento do povo e às suas necessidades, além de um excelente escritor. Fazendo uma analogia entre o ato de governar e o de jogar xadrez, ele encerra seu artigo com essas bonitas palavras, que me encheram de esperança na possibilidade de renovação do Brasil:

     
  "..., digo enfaticamente que o jogo de xadrez continua. E que nosso adversário - esse modelo econômico que nega a um número cada vez maior de pessoas a satisfação de suas necessidades, que constrói um cinturão de miséria na periferia das grandes cidades, que alimenta a concorrência no lugar da convivência, que permite famílias inteiras sobreviverem sob os mais terríveis e insalubres dos ambientes - não sabe ou não quer definir um destino adequado para seu lixo, negligencia na tarefa de cuidar de seus rios, lagos e florestas e expõe para o mundo a mão estendida de milhões de seus filhos. Este modelo deve ser reconhecido como uma das nossas mais nocivas epidemias."

     As diferenças nos depoimentos me fazem pensar que uma nova geração de comunistas está surgindo, construindo na prática a possibilidade real de superar o capitalismo através de um novo socialismo democrático.
     Parabéns à Márvia Scárdua e Ronald Freitas, organizadores do livro. Se mais administradores se expussem desta forma, talvez a gestão pública no Brasil fosse objeto de um debate mais amplo e significativo, escapando do mero denuncismo da grande imprensa, e pudesse nos levar a outros e melhores caminhos.