Aborto e eleições
Prezados amigos leitores
Até que enfim acabou a propaganda eleitoral. Não aguentava mais as mesmas conversas, os debates insossos, onde as verdadeiras intenções ficavam todas disfarçadas, pra escondê-las dos ingênuos, já que qualquer pessoa com um pouco de experiência e honestidade sabe perfeitamente distinguir tudo que está por trás do marketing.
E não se venha falar da desonestidade dos políticos. O que tenho observado e muito nessas eleições é uma imensa desonestidade da própria sociedade, como um todo, que nun jogo de faz de conta, se faz de indignada por um lado, enquanto apóia todo tipo de manipulações, de grupos de interesse, em torno de candidaturas e políticos.
Dentre essas desonestidades coletivas a que me provoca maior mal estar é a polêmica em torno do aborto, estimulada pelas igrejas (todas elas). Na última semana a velha elite acuada e entrincheirada na candidatura moribunda de José Serra, apoiada pelo braço conservador verde de Marina Silva, lançou ataques contra Dilma, levantando suspeitas de que ela seria a favor do aborto.
Não vou nem comentar a leviandade de fazer tais acusações no final da campanha eleitoral, sem dar a acusada o tempo suficiente para se defender, numa manobra para forçar um segundo turno, que seria péssimo para o Brasil, porque se transformaria numa baixaria geral, lançando nossa eleição na lama, numa atitude golpista desesperada.
Mas o que me causa esse sentimento de asco, diante da manobra, é pensar nos abortos que induzi duas mulheres a fazer, nos meus tempos de juventude. E ver esse assunto tratado assim, como um movimento a mais num jogo sem regras definidas, onde o que importa é sujar a imagem do adversário, me parece um enorme desrespeito as vítimas do aborto no Brasil.
Sim, queridos leitores, carrego na consciência esses dois abortos, mas minha dor não é apenas pelos meus filhos que impedi de nascer, pois espírita que sou, acho que eles me vieram por outros caminhos, inclusive por uma adoção.
Não. A dor que sinto é pelas duas jovens, hoje senhoras na faixa dos 60 anos, que após as operações feitas em clínicas clandestinas, nunca mais puderam ter filhos.
Muito jovens, em ambos os casos, não conhecíamos, nem praticávamos o que hoje se chama sexo seguro, num tempo em que não havia AIDS. Não tínhamos comprometimento afetivo para formar uma família e criar filhos e nem renda para sustentá-los. O aborto foi uma opção de vida para nós, no que parecia apenas um adiamento da formação de uma família.
Hoje, uma delas se dedica a cuidar de animais abandonados, o que revela a dor não superada pela incapacidade de dar amor a um filho, enquanto a outra se refugia numa pretensa dureza intelectual, muito reveladora da sua extrema fragilidade e solidão. Me culpo pelas duas. Sinto-me como se tivesse arruinado suas vidas, embora elas tenham concordado com os abortos.
Mas a verdade, queridos leitores, é que os verdadeiros culpados são esses que em nome de religiões obrigam milhares de mulheres a se expor nessas clínicas, sem nenhuma segurança, sem nenhum cuidado com suas vidas, porque um padre ou um pastor acham que elas não tem o direito de seguir uma decisão autônoma.
Até quando vamos tolerar que religiosos tomem decisões por nós? Porque não decidem apenas pelos de sua religiâo? Até quando vamos tolerar essa hipocrisia de dizer que no Brasil não existe aborto, quando estamos cansados de saber que ele é uma prática comum e corriqueira, e que sempre foi assim, inclusive entre os nossos indios? Até quando vamos ver jovens morrerem ou perderem a fertilidade, em nome de uma moral estúpida, que proíbe também os anticoncepcionais (inclusive as camisinhas em época de epidemia global de aids) e condena a educação sexual nas escolas, porque quer negar a existência do impulso sexual humano que existe em todos nós?
Que moral tem a Igreja Católica, fábrica de pedófilos, para combater o aborto que suas freiras podem praticar livremente em caso de estupro? Qual a diferença para um feto, fruto de estupro, ou um feto fruto de uma aventura irresponsável? Eles não sabem de nada, são apenas fetos. Porque uns podem ser retirados enquanto outros não? Que moral tem esses igrejas, que não fazem nada para prevenir a gravidez na adolescencia das nossas jovens, para obrigá-las a ter uma criança comprometendo muitas vezes seu futuro?
O aborto não é uma coisa boa. Ninguém, em são consciência pode dizer que gosta de aborto. Ninguém diz: eu adoro abortar! Claro que isso é uma violência, contra o corpo da mãe e do feto. Tudo deve ser feito para impedir que isso aconteça, principalmente através da educação sexual nas escolas e na distribuição livre e gratuita de anticoncepcionais, especialmente as camisinhas, de uso fácil, baratas e sem contra-indicações.
Mas quando a gravidez indesejada ocorre, é preciso que a mulher tenha acesso a um serviço de saúde público que lhe garanta fazer o aborto (até os três meses, no máximo) de forma a garantir a preservação da sua integridade, impedindo a infelicidade futura, ou mesmo a sua morte prematura.
Quantas mulheres morrem por ano em clínicas de aborto clandestino no Brasil, senhores padres e pastores, por vossa culpa? Quantas mulheres vocês continuarão matando por ano, em nome da defesa da vida, com apoio de gente como Marina Silva, que diz representar as mulheres brasileiras? Quantos candidatos vocês constrangerão a dizer que são contra o aborto esgrimindo os milhões de votos que manuipulam dos seus púlpítos e impedindo as brasileiras de se libertarem dos grilhões medievais dessas religiões ridículas?
Chega de religião na política, chega de cinismo, chega de conservadorismo hipócrita!
É hora de legalizar o aborto no Brasil.