UM LUGAR TRANQUILO
O ano era 1996. O lugar, uma cidadezinha da Chapada Diamantina, um verdadeiro presépio: Mucugê. Eu vinha de Salvador, com meus filhos de 7 e 8 e um amigo, indo para Brasília e resolvemos cortar caminho pelo Parque Nacional, numa estrada belíssima, que acabava de ser asfaltada.
Ficamos hospedados na Pousada Santo Antonio, muito simples e limpa, onde fomos atendidos com muita simpatia. Passamos um dia inteiro em excursões pelos arredores, banhos em poços misteriosos, passeios em grutas e ruínas de garimpos. À tarde, ao retornarmos, a cidade repentinamente ficou sem luz.Resolvi tomar banho logo, já que a cidade é fria e não queria correr o risco de tomar um banho gelado.
Eu e os meninos nos banhamos no chuveiro frio, mas meu amigo resolveu esperar a luz voltar.
Saímos para jantar mas o único restaurante self-service que havia na cidade tinha aquela tipo de bandejas aquecidas eletricamente, onde ficam as comidas para os clientes se servirem. Sem luz, a comida estava fria. Descobri um bar que tinha uma chapa a gás e resolvi comer uns hamburguers, com os meninos. Meu amigo disse que não ia comer aquilo, que preferia esperar a luz voltar.
Assim, banhados e alimentados, com a cidade na mais completa escuridão (era uma noite sem lua), voltamos à pousada e coloquei os meninos para dormir. Meu amigo, irritado, sem tomar banho e sem comer, resolveu se deitar também. Como ainda era cedo fui para a porta ver o movimento, como todo mundo faz quando fica sem luz e não há TV para nos entreter. Sentei num banco de madeira na calçada, onde muitas outras pessoas, sem ter o que fazer, vieram se sentar também e começou a conversa.
O dono da pousada era um jovem e logo se formou uma turma de rapazes e moças, seus conhecidos. Ao meu lado sentou-se uma moça que disse ser enfermeira. Nos apresentamos e ela me disse que Mucugê era um lugar muito tranqüilo, coisa que eu não duvidava. Em seguida me contou que lá apareciam regularmente uns discos voadores, que muita gente já tinha visto e que ela havia atendido no hospital um garimpeiro todo queimado por um raio que teria sido lançado por tripulantes de um disco, surpreendidos pelo tal sujeito, de madrugada, em volta de sua cabana.
_Lugar tranqüilo? Pensei comigo.
Depois ela passou a me contar sobre o assalto ao Banco do Brasil, quando bandidos armados tinham invadido a pequena cidade, rendido os poucos homens da polícia militar, esvaziado o cofre e seqüestrado o gerente.
_Muito tranqüilo o lugar, pensei já meio cismado.
Passado algum tempo alguém surgiu do escuro, alvoraçado, contando que um armazém havia sido roubado no centro da cidade, próximo dali. Disse que haviam visto o vulto sair de dentro do velho casarão com um casaco comprido, golas levantadas, andando rapidamente. Só depois que ele desapareceu no escuro, viram a porta aberta e a caixa registradora vazia.
Excitados, passaram a discutir sobre quem poderia ser o ladrão que se aproveitara do apagão para atacar. Pela descrição, alto e magro, chegaram à conclusão que só poderia ser um tipo que chegara à pouco de São Paulo e tinha hábitos meio reclusos, logo identificados como de um drogado.
Passado algum tempo, no meio da conversa animada, alguém apareceu com uma garrafa de licor de genipapo e a animação aumentou. A essas alturas meu amigo que não conseguia dormir, sujo e com fome, levantou-se e veio ver o que estava acontecendo, tomando também seus golinhos de licor.
À toda hora chegavam notícias de gente que surgia do nada, na escuridão, excitados com novas teorias sobre o caso do roubo. Não demorou muito para que alguém viesse com a notícia explosiva: o ladrão tinha entrado pelo telhado do armazém, pulado sobre o balcão e, nesse gesto, deixado cair sua carteira com todos os documentos! E não é que eles estavam certos? Era mesmo o tal sujeito esquisito.
Achei engraçado, um ladrão deixar cair os documentos assim.
Logo a polícia civil encostou para ouvir a opinião do grupo.
Alguém disse que o ladrão deveria estar escondido numa das pequenas grutas (que eles chamam de locas) que existem às centenas nas belas formações rochosas em torno da cidade. Outro discordou dizendo: aposto que ele está lá no anel viário pedindo carona pra fugir.
O policial disse que iria fazer uma ronda pra ver se achava o cidadão, mas um dos jovens argumentou que ao ver o carro da polícia, provavelmente o ladrão se esconderia. Alguém sugeriu que eles fossem num carro particular e que se ele pedisse carona o deixassem entrar, então poderiam prendê-lo. Logo o delegado apareceu com um Gol creme, particular, e seguiu com o proprietário ao volante, com mais um policial no banco de trás.
A conversa se animou novamente, enquanto a escuridão total prevalecia. Muitas hipóteses eram levantadas enquanto a garrafa de licor não parava de correr. A primeira já se esgotara e alguém se encarregara de trazes mais duas.
Logo a bomba correu: o ladrão havia pedido carona ao carro com os policiais, que pararam para que ele entrasse e em seguida deram voz de prisão. Exatamente como aquele grupo de jovens havia previsto.
A essas alturas já eram duas horas da manhã e eu começava a ficar muito sonolento apesar de toda aquela agitação. Com o caso resolvido, achei melhor ir dormir antes que acontecesse mais alguma coisa.
A energia elétrica só voltou às cinco da manhã, mas como eu estava bem banhado e alimentado, dormi sossegado, ao contrário do meu amigo, que reclamava arrependido de não ter se banhado e jantado e nem aproveitou direito uma noite tão interessante, naquela cidadezinha tão tranqüila.
Abraço a todos
Ricardo Stumpf