Prezados amigos leitores.
Uma emergência me trouxe a Brasília, onde estou há uma semana, e me deu a oportunidade de participar (mais do que assistir) à peça Entrepartidas, encenada pelo grupo Teatro do Concreto.
A peça tem como característica principal a de ser encenada nas ruas, praças e bairros da cidade. O espectador entra num ônibus, que parte da rodoviária do Plano Piloto (de onde saem os ônibus urbanos) que o leva à uma praça na W-3 sul , depois a uma casa de onde se volta caminhando à praça.
Nesses locais se desenvolvem várias histórias de pessoas que vivem ou passam pela cidade, sempre focando amor, solidão, perdas...
O ônibus também funciona como palco pois na medida em que se desloca pela cidade, vai dando carona a alguns personagens que vão também contando suas histórias para o motorista (também um ator) e para os passageiros (o público).
Ao contrário de outras peças que interagem com o público, as atuações não são agressivas, nem fazem brincadeiras com os espectadores para constrangê-los, mas muito serenas, tranquilas, comuns mesmo, embora as histórias que retratem estejam cheias de paixão e dor.
Ao longo do trajeto alguns atores fazem performances que vão dando recados aos passageiros sobre os assuntos que são tema da peça. Numa esquina um mulher cheira uma enorme flor e dança pelas ruas. Em outra um vulto de mulher coberto por um véu negro arrasta um terno masculino e uma roupa de noiva pelo chão, assustando pedestres e desavisados. Mais adiante um homem com um cartaz no semáforo avisa: lavo, passo e dou carinho, enquanto uma jovem abraça ternamente um grande bicho de pelúcia.
Antes da partida, ainda na rodoviária, um homem sem camisa, vestido com uma saia de ballet branca, com sapatos de salto alto, faz evoluções acrobáticas e fala coisas sobre a vida. Ele se mantém ao longe em quase todas as cenas de rua.
Nas cenas dentro da casa, onde se chega após caminhar por dentro de uma quadra residencial, momentos de paixão, dor, separação e solidão, falam das limitações e misérias da alma humana e falam também, muito, de amor.
A peruana que procura a mãe, em vão, na cidade que ela abandonou há muitos anos, o menino de rua que se apaixona por uma mulher e aprende a cantar para conquistá-la, a mulher que decide se libertar através da poesia e parte sem rumo, a mulher solitária em casa, onde recebe o público em sua cozinha, oferecendo chá e bolo de verdade, numa atuação impressionante, muito próxima ao público, interagindo com ele, mas se mantendo sempre na distância que seu papel exige, são alguns personagens que vão revelando a Brasília humana por trás da arquitetura e dos imensos parques públicos do Plano Piloto.
Ao final, quando caminhamos para a última praça, uma cena, meio ao longe, me impressionou e emocionou muito. Uma mulher está na quadra de esportes, em posição de goleiro e há uma bola parada no meio. Ela grita: chuta Mateus, chuta! Eu estou aqui!, mas não há nenhuma criança para chutar a bola. Por fim ela senta e chora, encostada a uma das traves. Sem dúvida uma alegoria cruel sobre a perda de um filho.
Entrepartidas me evocou coisas longínquas do tempo da minha juventude em Brasília. Me lembrou como os espaços abertos da cidade desenhada por Lúcio Costa estimulam a libertação mental e física dos seus habitantes, especialmente dos jovens que ainda não tem seu tempo totalmente comprometido com atividades competitivas e com sonhos de construir/adquirir coisas materiais.
Me lembrou como a cidade do planalto faz as pessoas olharem para si mesmas de um modo diferente, livre de tradições, e coloca dúvidas e anseios diferentes nos seus habitantes, que se sentem capazes de construir algo de novo em territórios virgens, como foi construída esta capital, já cinquentona.
Entrepartidas já é algo de novo. Uma experiência marcante para que participa dela.
Para conferir a ficha técnica e ver mais fotos e depoimentos, assim como outros trabalhos do grupo, visite o site http://www.teatrodoconcreto.com.br/
Para conferir a ficha técnica e ver mais fotos e depoimentos, assim como outros trabalhos do grupo, visite o site http://www.teatrodoconcreto.com.br/
Abraço a todos
Ricardo Stumpf