Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 29 de abril de 2012

Rapidinhas


Ramiracle

     O pequeno Ramires, foi fundamental nas duas vitórias do Chelsea, sobre o Barcelona. No primeiro jogo, em Londres, Ramires deu um passe sensacional para Drogba, o astro africano fazer o gol decisivo. Na segunda partida ele mesmo foi autor do gol decisivo.
     A imprensa inglesa falou em Ramiracle (Ramilagre), mas as TVs brasileiras não deram muita importância ao fato.
     Se o passe para Drogba fosse de Messi, todos diriam que foi sensacional. Se o gol fosse de Cristiano Ronaldo, a mesma coisa, mas como Ramires não é bonitão nem milionário, as TVs não falam sobre ele.
     Isso é que está virando o futebol mundial, um jogo de estrelas de salto alto.
     É o futebol fashion.
     Só esquecem que futebol é bola na rede e quem ganha jogo não é beleza, nem riqueza.

Viva a República espanhola
Esse rei infeliz matou esse bicho lindo só pra se "divertir"
     Depois da crise econômica e das políticas recessivas que jogaram 50% dos jovens pra fora dos seus empregos, a Espanha acumula um recorde de notícias negativas.
     Seu rei foi flagrado numa caçada clandestina a elefantes na África (só foi descoberto porque caiu e quebrou a bacia). A Argentina reestatizou sua petrolífera, a YPF, depois de descobrir que os espanhóis, ao invés de investirem, estavam mandando o capital de giro da empresa para cobrir seus rombos na Europa. Agora Real Madrid e Barcelona foram desclassificados da Copa dos Campeões da Europa (já repararam como sempre que um país vai mal politicamente seu futebol fracassa, e vice-versa?)
     Não sei se é trágico ou ridículo ter um rei em pleno século XXI e vê-lo cometendo um crime ecológico, às escondidas, enquanto seu povo passa fome. Um rei que assumiu sobre os cadáveres da guerra civil espanhola, num acordo entre remanescentes fascistas da era de Franco e as forças democráticas, que tiveram que aceitar a monarquia, forçados pelos Estados Unidos, que temiam a ascenção de um governo de esquerda na Espanha, após a morte de Franco, em 1975.
     Muitos fascistas da era franquista que enriqueceram às custas da ditadura, sobreviveram e estão aí, dentre eles o sinistro dono do Banco Santander, ligado a ala mais direitista da Igreja Católica, a Opus Dei (segundo reportagem da TV Record).
     São esses que estão no comando por lá novamente, jogando o povo na miséria enquanto se divertem com seus luxos no exterior e exploram outros países, com seu velho sonho de recolonizar a América Latina.
     Porque temos que fingir que não sabemos dessas coisas, quando esses fascistas ocultos tratam os brasileiros como cachorros, no aeroporto de Madrid, inclusive devolvendo (deportando) velhinhas como se fossem prováveis prostitutas, depois de deixá-las por dias passando fome e sede?
     Enquanto o povo espanhol não acorda para a derrubada dessa monarquia corrupta, devíamos aproveitar a iniciativa argentina e reestatizar a Coelba, dada de presente para esses ladrões da Iberdrola, outra empresa espanhola. Pegaram tudo pronto e só fazem aumentar a conta de luz, sem oferecer nada de melhoria ao povo da Bahia.
     Fora com esses espanhóis fascistas!

Lura


     Deixo aqui para vocês mais uma linda voz caboverdiana, cantando com Cesária Evora. É Lura.
     A música  chama-se Moda Bô e tem sua letra em crioulo, um dialeto do português. Observem a delícia do ritmo e da viola, além das duas vozes maravilhosas.
     A música é de autoria de Lura e Edevaldo Figueiredo e foi feita em homenagem à Cesária Évora.
     Eu não entendo bem o dialeto, mas dá pra perceber que é feito de contraturas de palavras em português, por exemplo nha, no lugar de minha, nôs, no lugar de nossa, etc., com outras palavras próprias. Mas não quero me arriscar a explicar mais do que não entendo.
     Deixo aqui a letra em espanhol (não achei o texto em crioulo) para que vocês possam curtir a música.

En mi infancia,soñe ser como tú,
soñe cantar igual,con una voz divina como tú.
En mi adolescencia,me quedaba enfrente de un espejo,
improvisando con un micrófono para cantar como tú.
Cómo tú quiero cantar,es contigo que quiero aprender,
para cantar cómo tú.
En mi vivencia, he conocido gente, ya conocí el mundo,
y realice el sueño de mi vida, cantarle a Cabo Verde, cantarle a mi tierra.
Es mi vivencia, repartirle a mi gente y al mundo entero la historia de un pueblo la historia de una vida.



     
Enfermaria

  
 A sala estava cheia. Idosos, muita gente com dengue (uma epidemia), pessoas de meia idade com crises de glicemia e outras mazelas do corpo humano. Nada de fraturas ou coisas ensanguentadas, que deviam estar sendo encaminhadas a outras salas.
     Na minha frente um senhor de olhos duros, sentado numa cadeira de rodas, respirava numa máscara de oxigênio, enquanto aguardava sua remoção para a UTI. Uma senhora mais ou menos da sua idade, aparentando muita fragilidade o acompanhava, solícita, de olhos brandos, passiva.
     Outras quatro, mais jovens, provavelmente filhas, se revezavam nos cuidados com o velho.
     Três se pareciam muito com a mãe. Magras, tinham um queixinho pontudo e as bocas precocemente envelhecidas. Só uma era diferente, bunduda, cabelão, pele boa. Nem parecia filha dele, mas o chamava de pai e era a mais carinhosa.
     Nos momentos em que ficava só, o homem me olhava de frente, olhos sinistros, de quem sempre foi autoritário e parecia ter reduzido aquela frágil senhora à quase nada, durante uma vida inteira de dominação.
     Um ex-militar da ditadura? Pensei.
     Duas das três filhas de boca murcha se revezavam nos cuidados, oferecendo um suco, uma água, um sanduíche ao pai, que invariavelmente respondia ríspido que não queria nada.
     A velha senhora procurou um lençol para cobrir suas pernas e livrá-lo do frio do ar-condicionado, esforço que ele repeliu com um gesto irritado, que ela recebeu calada, conformada, acostumada a ser um nada ao lado daquele homem que parecia ter construído sua segurança em cima dela, como sobre um pedestal.
     Mas quando a senhora se ausentou da sala por um minuto, o homem perguntou a filha mais nova, onde ela tinha ido. Não podia ficar sem ela, sem exercer sua dominação.
     Logo a velha senhora voltou e a mais nova (a terceira) das bocas-murchas se instalou numa cadeira à sua frente, deixando sua velha mãe de pé, enquanto comia um sanduíche. Dela o pai aceitou o suco e a comida. Era a filha preferida.
     Tinha os mesmos olhos duros do pai e havia aprendido com ele a desprezar a mãe. Seria sua sucessora na família quando ele se fosse.
     Ao meu lado, uma bonita senhora que tomava soro, como eu, e também observava a cena me disse com muita simplicidade:
     _Ela não tem paciência com a mãe.
     Na outra ponta do quarto, um senhor muito velhinho, mas lúcido, foi instalado numa cama por duas filhas de meia idade e um filho mais jovem (teria uns 45?). Muito carinhosos, eles ajeitavam o pai na cama, conversavam com ele e o faziam rir. Apesar de tudo estavam bem-humorados e agradeciam à vida por ter tido um bom pai que os permitiu viver e ser felizes.
     A senhora do soro, ao meu lado, olhou, sorriu e trocamos olhares cúmplices, num silêncio pleno de significados.
     Na outra ponta uma senhora chegou, muito agitada. Suas filhas jovens não entendiam porque ela não as reconhecia. Tentavam animá-la e choravam disfarçadamente, revelando uma dor genuína, o que espalhou por todos que ali estavam a noção exata da fragilidade da vida.
     Uma jovem chegou, com um pé torcido. Havia caído da escada do colégio. Seu pai, muito carinhoso, não saiu do seu lado um só minuto, segurando sua mão, conversando e também fazendo-a rir, simulando mordidinhas no seu braço.
     A senhora ao meu lado comentou novamente, com a mesma simplicidade desconcertante:
     _Que bonito!
     Meu soro estava terminando, me livrando das dores da dengue, quando o homem de olhos duros foi finalmente levado para a UTI, no meio de um alvoroço de equipamentos, cadeira de rodas, e enfermeiros.
      A enfermaria parou para ver. Em pouco tempo todos ali já se conheciam e compartilhavam seus dramas. A velha senhora ficou por último e pensei ter visto nos olhos dela, assim que o marido foi levado, um lampejo de alívio. Parou e olhou para os lados com uma certa curiosidade inocente, como se finalmente pudesse olhar para o mundo, liberta da ditadura daquele olhar duro e, quem sabe, das dúvidas sobre a paternidade da filha da bundona.
     Quem sabe agora teria um pouco de paz e receberia, como uma terra ressecada, que teimou em se manter viva, um pouco da chuva do tempo que lhe restava.