Dilma e o futuro
Acabo de vir da posse de Dilma.
Muita chuva e uma multidão considerada pequena para a Esplanada dos Ministérios, que é excepcionalmente grande e não se enche assim à tôa.
Tirando as tradicionais e chatinhas claques petistas, foi uma posse bonita e marcada pela emoção do presidente que saía e da presidente que entrava. Os discursos de Dilma não trouxeram nada de novo e apenas pontuaram seus compromissos gerais de campanha, marcando o estilo gerencialista que deve imprimir ao seu governo, o que não é necessáriamente ruim. Se Dilma for uma boa administradora e conseguir fazer avançar a economia com eficiência, vencendo os gargalos que já se apresentam à nossa frente, o Brasil poderá alcançar um patamar de desenvolvimento definitivo, nos libertando dos anda-pára da economia que adiou por tantas vezes nossos sonhos de nos tornarmos uma nação livre, justa e próspera.
Mas além dos gargalos de infraestrutura e da deficiência dos serviços públicos, a agenda dos nossos presidentes precisa incorporar algumas reformas, que nunca foram aunciadas e nem fazem parte das suas agendas. Há anos, quando se fala em reformas, pensa-se sempre nas reformas neoliberais, voltadas para fortalecer o mercado e enfraquecer o estado, e que estão na base do contencioso entre PT e PSDB, esquerda e direita no Brasil e no mundo.
Há anos atrás, quem pedia reformas era a esquerda. Lutava-se pela reforma agrária e outras, o que chegou a embasar o slogan brizolista reforma ou revolução, dos anos 60. Hoje, com a vitória da social-democracia e a crise do neoliberalismo, ambas, esquerda e direita, parecem ter perdido seu poder de magnetizar as multidões.
Mas para aprofundar nossa democracia, precisamos de mudanças de rumo importantes, o que implica em algumas reformas que eu não vejo em nenhum programa de governo. A primeira é uma reforma da educação. Não adianta ficar falando em educação de qualidade se não mudamos nosso sistema educacional, cuja base está entregue aos entes mais pobres e desinteressados pela educação do povo, os municípios.
Esse é um debate antigo e ninguém tem coragem de mexer nele. Confunde-se municipalização com descentralização. É democrático descentralizar, mas entregar a educação básica às prefeituras tem o efeito contrário de transformar as escolas e o patrimônio de conhecimento brasileiro em instrumento de barganha política da mesquinha política do interior, centralizando as decisões nas mãos dos prefeitos. A verdade é que é preciso federalizar as escolas brasileiras, todas elas, e dar a cada uma uma autonomia financeira e curricular capaz de criar uma verdadeira descentralização, envolvendo as comunidades na sua administração em lugar das prefeituras.
Outra necessidade é a de retirar qualquer ranço religioso que ainda paire sobre as escolas públicas, como aulas de religião e outras formas disfarçadas de reintroduzir o conrole das igrejas, especialmente da igreja Católica, sobre a formação do povo brasileiro, o que infelizmente ainda está muito presente e é muito facilitado e até estimulado pelas prefeituras, que temem perder o apoio dos padres nas eleições municipais do interior.
Outra reforma importante é a reforma carcerária. Até quando vamos continuar fingindo que não vemos o que acontece dentro dos nossos presídios, que tratam nossos apenados como animais? Não existe democracia sem jutiça e o sistema prisional faz parte dela. Nossas prisões estão na idade média. São verdadeiros campos de extermínio. Como podemos querer eliminar a criminalidade a aplicar a lei se não damos a mínima garantia de sobrevivência ao cidadão que é jogado ali dentro?
Por fim, outra mudança de rumo fundamental está no meio ambiente. Não basta crescer e distribuir renda, é preciso construir uma outra economia, que não seja a do desperdício e do consumismo desenfreado. O PV começou falando nisso, nas eleições, mas depois Marina Silva deixou de ser a candidata do Partido Verde e virou a candidata da Assembléia de Deus, se voltando para posições moralistas retrógradas que só serviram para amesquinhar o debate, perdendo a oportunidade de rediscutir essa economia do crescimento sem fim e sem responsabilidade.
Na postagem passada, linkei um artigo de um economista mexicano que propõe um socialismo ecológico e fiquei muito satisfeito de ver que suas posições correspondem ao livreto que lancei no ano 2000, intitulado Uma nova agenda para a esquerda. É bom saber que eu não falei besteiras, mas infelizmente o contencioso político brasileiro ainda está muito atrasado, às voltas com as tentativas de José Dirceu de impor um voto em lista na tal reforma eleitoral, cujo único objetivo é eternizar o PT no governo, uma reforma tributária que já deveria ter sido feita há 20 anos e outros itens de uma agenda do século XX.
Não me parece que Dilma seja capaz de alçar voo sozinha e perceber a necessidade dessa nova agenda para a sociedade brasileira. Se isso não ocorrer, e com a mesmice do PSDB e da direita, temos a chance de ver durante o seu mandato, novos atores e novas idéias começarem a circular pela sociedade brasileira, preparando a sucessão do PT e desses partidos que ainda se proclamam de esquerda.