Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 1 de janeiro de 2012

Rapidinhas

2012

     Assistir ao reveillón na praia de Iracema em Fortaleza é um espetáculo que vale à pena. Além de shows de grandes artistas, como Titãs, Raimundo Fagner e Yvete Sangalo, a queima de fogos com duração de 15 minutos é uma das mais bonitas que já assisti.
     A praia de Iracema, lotada, devia ter mais de um milhão de pessoas, muitas das quais levam isopores, toalhas e até mesas e cadeiras para fazerem verdadeiros acampamentos na areia e poderem desfrutar, com suas famílias, da entrada do ano.
     Esperamos que 2012 seja um ano bom para o Brasil e para os brasileiros e que aprendamos a ser mais responsáveis, cuidando melhor dos nossos semelhantes (ei pessoal, não bebam e saiam dirigindo por aí), do nosso meio ambiente e encontrando soluções para os nossos velhos problemas, dentre eles a educação.
     Como é um ano de eleições, é uma boa oportunidade para dar uma varrida em tantos corruptos, renovando nossa classe política e cobrando mais deles também. Não adianta nada falar mal dos políticos e continuar votando nos corruptos. Vamos ajudar a presidente Dilma a fazer a faxina.
     Faxina neles!
     E feliz ano novo para todos

O valor da pobreza


     A notícia de que o Brasil ultrapassou o Reino Unido como sexta maior economia do planeta, tem dois lados. Primeiro mostra o acerto da linha seguida pelos governos do PT, de Lula e Dilma, em apostar em novos mercados como o Mercosul, os países árabes, a África e a Ásia, em detrimento dos velhos parceiros comerciais dos governos de direita, Europa e Estados Unidos.
     Lembram-se quando aquele sub-secretário norte-americano ironizou Lula, no início do seu primeiro governo, por ser contra a Alca (uma espécie de mercado comum americano, onde todo mundo venderia para os Estados Unidos) e disse que se o Brasil não vendesse para eles ia vender para os pinguins da Antártida?
     Lula respondeu que não discutia com o sub do sub do sub do sub, ironizando também a posição do norte-americano. O tempo mostrou que a política brasileira estava certa. Quem apostou em acordos comerciais com as economias mais ricas, está agora sem ter pra quem vender, com a crise profunda daqueles mercados.
     O outro lado da notícia é que a ascenção do Brasil não se deve a um crescimento muito grande da nossa economia, mas à queda da economia britânica.
     A ironia da situação é que hoje os países que contam com maior desigualdade tem um mercado interno a desenvolver (Brasil, Índia e China), enquanto os que sustentam populações ricas dependem de exportações.
 Nós podemos crescer "para dentro", eles não.
     É claro que países com grandes territórios, como Brasil, China e Rússia, tem também muitos recursos materiais. Somos ricos em recursos e temos um mercado interno a desenvolver, o que nos coloca um pouco (mas não totalmente) a salvo da crise deles.
     Na verdade a crise das economias ricas é muito mais uma crise de um modelo em que a riqueza estava concentrada em poucos países dominantes, enquanto os restantes se debatiam na pobreza.
     Essa crise tende a se tornar um momento em que o capital se espalha pelo globo, reforçando aquilo que os analistas chamam de "mercado global". Caem as hegemonias e o capital muda de endereço, procurando lugares mais rentáveis. Acredito que seja uma longa crise de mudanças profundas, mas a longo prazo a América do Sul, a Ásia e a África serão beneficiadas com ela.

Raimundo Carvalho

     Visitei a casa e atelier do artista Raimundo Carvalho, na pequena cidade de Teofilandia, ao norte de Salvador. Raimundo é professor e artista plástico e acaba de expor seus trabalhos na Filadélfia, Estados Unidos e se prepara para nova exposição, desta vez em Salamanca, na Espanha.
     Incrível as flores que nascem no interior da Bahia. Raimundo é uma delas. Um artista fantástico, que não abandona sua cidade, de onde tira sua inspiração e alimenta sua ONG , Fulô da Caatinga, dedicada a promover a cultura regional, sempre estimulado por sua esposa, Tamar.    
     A casa-atelier de Raimundo é muito criativa, com um projeto do próprio artista, que demoliu uma casa antiga, construindo a nova no mesmo terreno, sem derrubar a fachada antiga. Entre a frente antiga e a nova, moderna, um jardim interno cheio de plantas ornamentais. Quem olha da rua nem percebe a casa nova e quando entra se surpreende com o ambiente aberto, envidraçado, ventilado. Uma beleza.

Àesquerda a fachada antiga. 
À direita a fachada nova vista através da porta.
Abaixo vista interna da nova casa, com suas obras de arte.
    


    Raimundo Carvalho é a prova viva de que cada vez mais é possível viver e produzir no interior, antes atrasado e agora integrado às grandes redes globalizadas.
     Teofilândia é uma cidade muito simpática, nascida ao lado de um tanque de pedras, onde os antigos vaqueiros levavam o gado para beber.
     Hoje a cidade tem cerca de 25.000 habitantes e uma noite estrelada maravilhosamente sertaneja, com as pessoas sentadas nas calçadas a conversar e trocar suas experiências do dia-a-dia.
     Um privilégio poder conhecer essa cidade e essa família que me recebeu com tanta simpatia.
     Para quem se interessar em conhecer a obra de Raimundo Carvalho, seu blog está aí ao lado.
     
Canudos

     Em viagem por terra, entre Vitória da Conquista, na Bahia, e Fortaleza, tive a oportunidade de realizar um velho sonho, o de conhecer o sítio histórico e arqueológico da guerra de Canudos, no município do mesmo nome.
     De Conquista a Fortaleza há um só caminho, a BR-116, agora rebatizada de rodovia Santos Dumont.
     Ao norte da Bahia, chega-se ao município de Bendegó de onde sai a estrada para Canudos. Estão construindo uma nova estrada, larga, de primeira qualidade, com grandes pontes e aterros e por isso há alguns desvios, pois algumas partes ainda não estão prontas. Num desses desvios vê-se um arco de pedra à esquerda, que é entrada para o Parque Estadual de Canudos, administrado pela Uneb, Universidade do Estado da Bahia.
     A estrada nova segue em direção à nova cidade de Canudos, mas resolvemos entrar logo  no parque para conhecer.
     Logo na entrada uma casa, onde ficam os guardas que nos orientam para a visita.
     Nos explicaram que devíamos parar o carro no caminho, junto a placa que indica o Vale da Morte e daí seguirmos à pé, para depois seguirmos até o Alto da favela, novamente de carro, onde há um pequeno museu, com painéis explicativos.
     Fizemos como recomendado e entramos à pé pelo tal Vale da Morte, onde uma placa nos explica que ali ficaram acampados os soldados da terceira expedição militar enviada para destruir o arraial, no final do século XIX, derrotada pelos sertanejos.
     Fomos muito adiante da placa, até uma cerca que deve ser o limite do parque. Estávamos procurando uns túmulos, que o funcionário nos havia indicado, que afinal não achamos, mas atravessamos um brejo, sempre seguindo uma trilha, onde nascem os tais canudos, uma vegetação que tem os talos ocos, como canudos mesmo. Me senti como na oração: "ainda que eu caminhe pelo vale da morte...", imaginando o sofrimento daqueles soldados, derrotados, acampados ali naquele ermo, há mais de 100 anos atrás, esperando um reforço impossível de chegar e morrendo aos poucos sob o sol e o calor inclementes.
     Voltamos para o carro e fomos para o Alto da Favela, elevação de onde se descortina o açude de Cocorobó, construído pela ditadura militar para esconder a vila de Canudos, reconstruída pelo povo no início do século XX e que ainda guardava a velha igreja construída por Antonio Conselheiro, o beato que mobilizou uma multidão de sertanejos na ilusão de que seria possível viver uma vida autônoma, em meio aos fazendeiros que tratavam o povo como escravo, mesmo após a abolição.
     Lá está o pequeno museu com painéis, explicando como foi a guerra. Nenhum objeto: nem cartuchos de balas, nem túmulos, nem pedaços de construções, apenas painéis contando uma história. Os painéis nos contam que ali naquele local, se reuniram as duas colunas da quarta expedição, vindas da Bahia e de Sergipe, que finalmente conseguiram derrotar os sertanejos e destruir o arraial. Mas adiante uma outra placa nos dos indica onde ficava o banco de sangue do exército, para atender aos soldados feridos.  Só havia feridos do lado do exército, já que os "jagunços", como ainda são tratados pejorativamente os sertanejos livres, eram executados sumariamente, assim que aprisionados. 
     De lá uma estrada segue em direção ao acude, mas ninguém nos orientou a ir até lá. Mesmo assim seguimos até nos deparar com um portão, que estava apenas encostado. Observamos que mais adiante ainda havia placas indicativas ao longo da estrada e seguimos de carro até a beira do açude. No percurso uma placa nos avisa que estamos percorrendo uma estrada sagrada, a estrada de Massacará, onde Antonio Conselheiro fazia suas romarias com seus seguidores.
     Na beira do açude não se vê sinal da antiga vila, totalmente encoberta pelas águas.
     Frustrado, pensei que o museu conservava apenas os lugares importantes para os militares e que a vila e a velha igreja, foram muito bem escondidas, na tentativa de ocultar um dos maiores, senão o maior crime da história brasileira.
     A criação do parque foi uma tentativa de resgatar a história desse crime, que os militares tentaram esconder com a construção do açude, inaugurado em 1969, mas uma tentativa ainda tímida. O certo era abrir o açude, deixar a velha vila reaparecer e restaurá-la, para que as novas gerações pudessem conhecer o sítio histórico onde se deu o massacre de um povo que teve a ousadia de lutar apenas pelo direito de existir e viver em paz, e foi covardemente destruído por um exército que defendia o interesse dos fazendeiros em escravizá-lo.
     O açude, que represa o rio Vaza-Barris, poderia ser reconstruído mais abaixo de modo a não encobrir a antiga Vila, já que aparentemente não há plantações ao seu redor que justifiquem sua existência. Às margens das suas águas senti calafrios e uma dor profunda. Minha alegria de finalmente poder visitar o local foi substituída por uma estranha emoção, como se eu pudesse ouvir os gritos de dor e sofrimento daqueles que tiveram suas vidas ceifadas e sua memória afogada.
     Fiquei envergonhado na beira daquelas águas, de ser um turista tirando fotos. Quis sair, quis ir embora, nem fui visitar a Nova Canudos e seguindo ainda pela br-116, durante muitos quilômetros aquele sentimento me acompanhou e uma tristeza profunda tomou conta do meu espírito, como se todo o peso daqueles almas perdidas pesasse sobre mim e sobre toda a nação brasileira.
     Alguém precisa ter a coragem de abrir aquele açude e deixar a verdade aparecer, resgatando os fatos que verdadeiramente importam e fazendo justiça aos homens e mulheres que lutaram por sua liberdade e foram tão injustamente mortos. Não, a estrada de Massacará não é uma estrada sagrada, como o enfoque que os museólogos tentaram dar a ela. Não é a religião o legado de Antonio Conselheiro, mas é uma estrada histórica, um primeiro caminho na luta do povo brasileiro pela sua emancipação. 
     Restaurem a Vila Velha de Canudos, recuperem a verdadeira história daquele povo e a memória daquela guerra insana. Libertem aqueles espíritos afogados pelo sofrimento, toda aquela gente massacrada que jaz sob as águas vergonhosas daquele açude.
    
  
    

     

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