Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 13 de maio de 2012

Rapidinhas

Viva Hollande

     Enfim a velha Europa se levanta contra os absurdos praticados pela troika (Comissão Européia, Banco Central Europeu e FMI) para impor um ajuste fiscal criminoso, que premia os bancos, responsáveis pela crise, e penaliza os trabalhadores, que não tem culpa nenhuma no cartório.
     O "ajuste" grego foi tão grave que provocou uma onda de suicídios no país.
     Os dois partidos que o promoveram, e que detinham 77% dos votos, caíram para 32%. O povo deu sua resposta nas urnas.
     Mas a resposta mais significativa foi a eleição de François Hollande, na França, despertando a esquerda européia de uma letargia que já durava anos. Agora uma onda de esquerda deve varrer os governos conservadores e formar uma nova maioria, que leve a Europa para o caminho de um crescimento sustentável.
     A festa da vitória na Praça da Bastilha foi linda. Vive la France!

13 de maio

     Há 124 anos a primeira mulher a governar o Brasil (embora interinamente), assinava a lei que abolia a escravidão no Brasil, a abominável instituição, tão comum na antiguidade, e que se prolongou absurdamente no nosso país.
     Ser escravo não era apenas uma condição, em que grande parte da humanidade se via forçada a viver, era também um estigma, transmitido de geração para geração, como se a vítima também fosse culpada pelo seu infortúnio, pois aos escravizadores era preciso "justificar" para si mesmo e para a sociedade, que outro ser humano fosse tratado como animal ou como mercadoria.
     Para isso nada melhor do que escolher pessoas de etnia diferente, que pudessem ser facilmente reconhecidas como estrangeiros, e portanto "diferentes".
     Assim os árabes preferiam os nórdicos, ingleses ou finlandeses, e posteriormente (quando conseguiram domesticar o camelo para atravessar o grande deserto), os negros da África subsaariana.
     Também os próprios reinos africanos, tratavam de escravizar povos distantes, para evitar que suas vítimas fugissem de volta para suas comunidades. O escravo era, de preferência, um estrangeiro, retirado à força de suas raízes e levado para uma cultura diferente, onde se via isolado, sem família, numa terra diferente, tendo que aprender uma língua diferente, de forma a ficar completamente à mercê de seus dominadores.
     "A esse estrangeiro absoluto, busca a comunidade dominante aviltar, despersonalizar, infantilizar e despir de todas as relações grupais. E é o fato de ser um estranho, que perdeu a família, a vizinhança, os amigos, a pátria e a língua, e a quem se nega um passado e um futuro, o que permite a sua redução de pessoa a algo que pode ser possuído" (A Manilha e o Libambo - A África e a Escravidão de 1500 a 1700 - Alberto da Costa e Silva - Editora Nova Fronteira 2011).
     Até hoje, grande parte dos nossos problemas sociais são derivados da longevidade dessa terrível prática. É significativo que tantos anos depois, quando o Estado brasileiro se preocupa minimamente em compensar os descendentes das vítimas desta instituição, e no momento em que o Brasil é governado por outra mulher e o dia 13 de maio coincide com um dia das mães, ainda exista gente que tente questionar as políticas de cotas nas universidades.

Orações

     Em homenagem ao dia das mães, quero agradecer a todos aqueles que fizeram e continuam fazendo orações por minha mãe, D. Lucy, que segue lutando por sua recuperação na UTI do hospital Santa Luzia, em Brasília.
     Ela tem dado uma lição de força e coragem ao enfrentar seu tratamento para superar uma trombose no braço esquerdo e uma pneumonia, com uma consequente insuficiência respiratória.
     Contra todas as expectativas iniciais ela vem se recuperando bem, graças também a toda essa corrente de pensamentos positivos e aos cuidados da excelente equipe de médicos  e enfermeiros.
     Obrigado a todos.
 Cora Coralina
      
     E por falar em mães, deixo hoje para vocês a poesia de Cora Coralina, esta fantástica goiana que encantou o Brasil ao ser revelada já em idade avançada, com sua poesia de mulher vivida, plena de humanidade. 
     Sua poesia fala da mãe de todos nós, a Terra.

O Cântico da Terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.



Professores em Greve

     A greve dos professores estaduais da Bahia vai entrando numa escalada de confronto absolutamente desnecessária. A recusa do governador Jaques Wagner em negociar com a categoria é uma estratégia burra, para ser gentil. Ele, um sindicalista de origem, não soube honrar o compromisso assumido com a categoria em 2011 e agora quer vencer pela força, se negando a negociar a única coisa que precisa ser negociada: o cumprimento do acordo assinado pelo seu governo.
     A educação na Bahia já sofreu demais, já foi descaracterizada demais, ja foi relegada a segundo ou terceiro plano, por tempo demais.
     Como fazer o Estado crescer e criar uma sociedade rica e desenvolvida, sem investir na valorização da educação? Porque um professor com curso superior, tem que se conformar em ganhar tão pouco? E os discursos eleitorais sobre educação, onde foram parar?
     Infelizmente o governo Wagner está cada vez mais parecido com o de ACM, com suas propagandas entusiásticas na TV, conjugadas com o autoritarismo e o desprezo pelas instâncias organizadas do povo baiano. Onde está a mudança prometida?
     Para me solidarizar com os professores em greve, transcrevo abaixo um texto de autoria de José Luis Peixoto, um caboverdiano, que tirei do blog Café Margoso, no qual introduzi algumas modificações para adaptá-lo ao nosso português e à nossa realidade.
Esperança
     "O mundo não nasceu conosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegamos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objetos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.
     O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efetiva. O trabalho dos professores é a generosidade.
     Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas, os seus automóveis com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O ato que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem, mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.
     Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro.  
     Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos ao não perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.
     Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.
     Recusar a educação é recusar o desenvolvimento.
    Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontramos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança."
José Luís Peixoto