Pois é, amigos leitores, em recente visita ao Chile, fiquei hospedado na casa de amigos, onde conheci uma jovem estudante de medicina, que se dizia muito desapontada com a profissão. Ela havia trancado a matrícula na faculdade e se debatia numa crise de consciência sobre continuar ou não o curso.
Curioso, perguntei os motivos de tanta desilusão. Ela me respondeu que não concordava com a maneira como eram tratados os pacientes nos hospitais, que médicos e enfermeiras não eram preparados para lidar com eles como seres humanos, mas apenas como corpos, cujas necessidades afetivas e psicológicas não eram levados em consideração.
Sua família achava que isso era bobagem, uma crise tardia de adolescência ou algo assim, e naturalmente se preocupava com seu futuro querendo que ela se formasse. Mas gostei da maneira como ela encarava a questão e fiquei pensando se aquilo não era fruto de uma nova geração que já encontra os problemas básicos principais resolvidos (a existência de um serviço de assistência médica eficiente no Chile) e começa a olhar por ângulos novos uma prática antiga que pode ser aperfeiçoada.
Pois na semana passada me lembrei muito da jovem chilena, quando minha mãe teve que ficar internada por oito dias devido à uma pneumonia.
A princípio muito eficiente, o hospital em Brasília tomou todas as medidas necessárias para debelar a infecção além de lhe proporcionar um atendimento correto no quesito hotelaria, com um quarto individual, com geladeira, televisão, ar-condicionado, cama para acompanhante, etc.
Os primeiros dias, quando nossa preocupação era com a infecção, transcorreram ótimos, mas à medida em que ela melhorava e recobrava sua percepção das coisas ao redor começou a se queixar de ruídos. Passei uma tarde com ela e realmente percebi que havia uma obra num andar abaixo e se ouviam barulhos abafados de furadeiras e marteladas.
Depois percebi que a parede, na sua cabeceira, fazia divisória com o balcão da enfermagem e de lá vinham também ruídos, junto à parede.
Mas ela se queixava também de ruídos à noite, quando não havia obras nem muito movimento na enfermagem. Era ruídos de passos no corredor, que vibrava muito e reverberava os saltos de sapatos das funcionárias.
Depois ela foi parando de comer. Dizia que estava enjoada, que nada lhe apetecia e começou a sentir dores nas pernas e coceiras nas costas. Percebi que a comida (aquela típica de hospital) quase não variava.
Pedimos fisioterapia no quarto para as pernas e ela passou a ter dores no peito. Assustado chamei o médico que fez um eco-cardiograma e um eletro-cardiograma que não indicaram nada. Por via das dúvidas ele a deixou mais um pouco em observação e mandou lhe dar remédios contra enjoos.
Aí ela não conseguiu mais dormir, o que levou o médico a recitar calmantes. Então começou a vomitar: mais insegurança do médico e mais remédios.
Por fim começou a confundir as coisas, deixando todo mundo apavorado.
Então me lembrei da chilena e também do que eu conhecia de minha mãe e percebi que ela estava apenas estressada do hospital, de tantos dias deitada, de tanto ser furada por injeções e soros, de tantos remédios recebidos nas horas mais impróprias, ministrados por uma enfermagem que parecia não enxergá-la como uma pessoa, mas apenas como um objeto de trabalho.
Calmantes para dormir as 4 da tarde, laxantes ás 11 da noite, exames de sangue à 1 da manhã para verificar a glicemia, acendendo a luz na sua cara depois que, com muita dificuldade ela conseguia cochilar e outras práticas abusivas que a iam deixando cada vez mais fora de si
O médico aparecia uma vez por dia, muito gentil, mas não ficava mais de 10 minutos. Se alguma coisa acontecesse na sua ausência era preciso esperar o outro dia ou ligar pra ele. Expliquei a ele meu ponto de vista, que acabou se convencendo e dando alta no oitavo dia.
Quando chegamos em casa, depois de todo o sofrimento, ela comeu um prato enorme de comida, deitou-se na sua cama, dormiu 12 horas e acordou em ótimo estado, provando que eu estava certo: aquilo era estresse causado pelo próprio hospital, que depois de algum tempo deixou de ser um meio de cura e passou a ser, ele mesmo, a doença.
O engraçado é que os médicos e enfermeiras não se dão conta disso. Parece que nunca ouviram falar no assunto e que isso é chatice de família.
Hospitais públicos querem se livrar logo dos pacientes, para economizar. Hospitais particulares querem retê-los ao máximo para lucrar. Nenhum deles dialoga efetivamente com eles e não percebem o quanto de influência do próprio hospital pode resultar no agravamento do seu estado.
Estava certa a jovem chilena.
Abraço a todos
Ricardo Stumpf