Fala-se muito de sustentabilidade no Brasil, mas o que seria uma cidade sustentável?
Quais seriam os caminhos que nossos municípios teriam que trilhar para alcançar este estágio de harmonia com o meio ambiente?
Sustentabilidade é um termo usado para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Ou seja, sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de forma inteligente para que eles se mantenham no futuro.
Quando discutimos o tema
cidades sustentáveis, temos que entender primeiro qual é o impacto que uma cidade causa ao meio ambiente no seu entorno, visto que a cidade é um ambiente criado pelo ser humano, uma colônia de humanos, assim como as abelhas criam colméias, as formigas os formigueiros e os cupins seus cupinzeiros.
Todas essas colônias causam impactos ao meio ambiente e é interessante que o ser humano, um mamífero, tenha começado a se comportar como um inseto, agrupando-se em gigantescas colônias. Em geral os mamíferos não se comportam assim, mas vivem em pequenos grupos.
Durante milhões de anos, os humanos e seus ancestrais (hominídeos) também viveram em bandos, depois em pequenas aldeias, espalhadas na natureza. Só recentemente, após a revolução industrial, surgiram as imensas cidades, o formigueiros humanos, onde vivemos estressados, apertados, engarrafados nos nossos veículos fumacentos, como se isso fosse uma coisa muito boa e moderna.
Todos sabemos das dificuldades de viver em cidades, mas também sabemos que viver isolados hoje, significa estar distante dos benefícios que o progresso científico e tecnológico trouxe. As boas escolas, os serviços de saúde, os empregos bem remunerados, estão todos nas cidades. O campo virou sinônimo de atraso e nostalgia.
O primeiro impacto que uma cidade causa ao ambiente natural é a produção de calor. Uma grande cidade, como São Paulo, cria um halo de calor que avança por dezenas de quilômetros sobre as áreas rurais ao seu redor, agravando o aquecimento global e modificando os ecossistemas que, ao se adaptarem, provocam uma seleção natural eliminando muitas espécies animais e vegetais que não se adaptam à temperatura mais elevada. É a chamada Ilha de Calor Urbano (ICU). (sobre isto ver o trabalho
Características das ilhas de calor em cidades de porte médio: exemplos de Presidente Prudente (Brasil) e Rennes (França) - http://confins.revues.org/6070).
Como no Brasil quase não utilizamos sistemas de aquecimento, o calor produzido pelas cidades é proveniente, em sua maioria, da reflexão do sol no solo pavimentado, das edificações e das fontes autônomas de calor, como automóveis e indústrias.
Então uma primeira preocupação que os municípios devem ter é a de minimizar este efeito, através da criação de parques, arborização nas ruas, evitando a pavimentação excessiva do solo, tanto nas áreas públicas, como ruas e avenidas, quanto em áreas privadas, como estacionamentos ou mesmo dentro dos lotes residenciais.
Outras consequências mais sérias, são os resíduos produzidos na forma de esgotos, lixo e gás carbônico.
O tratamento de esgotos não é nenhuma novidade, mas no Brasil ele praticamente não existe. Poucas cidades tem Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs), capazes de tratar
todos os seus efluentes de forma a não poluir seus cursos d'água. Na verdade, nossos rios urbanos se transformaram em verdadeiros esgotos, recebendo tanto efluentes domésticos sem tratamento algum, quanto resíduos industriais, muitas vezes sem cheiro ou odor, mas contendo metais pesados extremamente perigosos para a saúde e capazes de envenenar o meio ambiente e contaminar a produção dos alimentos, feita no meio rural, e que se serve da água contaminada
.
O mercúrio, o chumbo e o cádmio são os metais mais perigosos. Os pulmões ficam inflamados em contato com o cádmio. Fígado e rins são os órgãos mais danificados pelo cádmio. As articulações das mãos- até as dos dedos e do pulso - ficam paralisadas por contaminação de chumbo
. Ingerido em peixes contaminados, o mercúrio debilita as funções cerebrais e seu vapor causa distúrbios psíquicos, como depressão. O aparelho digestivo é atacado pelo chumbo e pelo cádmio
O lixo virou um tormento, numa sociedade capitalista de consumo, onde a mercadoria virou uma espécie de
bezerro de ouro, adorada por todos e promovida incessantemente pela mídia, tendo um ciclo de vida útil cada vez menor, hoje estimado em 6 meses em média, entre a aquisição e o descarte. Assim a produção de lixo aumenta rapidamente exigindo das cidades uma resposta adequada, que passa pela reciclagem dos produtos industrializados e pela compostagem do lixo orgânico, que pode ser transformado em adubo. Mesmo assim ainda existe uma parte do lixo que não pode ser aproveitada (papel higiênico, fraldas descartáveis, lixo hospitalar, etc.) e que precisa ser disposta em aterros sanitários adequados para não poluir o solo.
Quantas cidades brasileiras dispõem de usinas de reciclagem e compostagem de lixo, que dependem da implantação de coleta seletiva e campanhas de conscientização da população? Pouquíssimas. A maioria dos municípios, infelizmente, dispõe os seus resíduos sólidos em lixões a céu aberto, comprometendo a qualidade do solo e dos lençóis freáticos.
Tudo isso resulta no aumento da incidência de doenças e na piora da qualidade de vida para todos.
A produção de gás carbônico está relacionada principalmente aos veículos, movidos a petróleo e às queimadas nas áreas rurais. A poluição industrial (fumaça de fábricas) tem sido combatida há muitos anos no Brasil e já mostra uma grande melhora. Leis ambientais exigem filtros em chaminés, reduzindo muito o problema.
A forma de combater esse problema está na conscientização dos agricultores e na implantação de transportes coletivos eficientes e baratos, capazes de desestimular o uso de veículos particulares. O uso de veículos movidos a eletricidade pode ser estimulado pelos municípios, por exemplo, para uso em táxis, através de incentivos fiscais, ambulâncias e serviços públicos, .
Outros problemas ambientais provocados pelas cidades, estão relacionados ao consumo de energia e de água. Com a intensa utilização de energia elétrica muitas usinas precisam ser construídas para produzi-la.
O problema pode ser encarado tanto do lado da produção, buscando formas sustentáveis de produção de energia como a eólica e a solar, como pelo lado da economia, estimulando alternativas ao uso da energia produzida pelas concessionárias. Um bom exemplo são os aquecedores solares para água, de tecnologia simples e barata, que podem se tornar obrigatórios para aprovação de projetos de casas e edifícios, uma providência simples que pode ser tomada por qualquer prefeitura. O aquecedor solar desativa o grande vilão do consumo doméstico de energia, o chuveiro elétrico, reduzindo em muito o consumo e a conta a ser paga pelos usuários.
Já o consumo de água é mais difícil de ser reduzido por ser uma necessidade básica do ser humano, cujo corpo é composto por 70% deste líquido. O aproveitamento da água da chuva e o reaproveitamento das águas servidas são formas de economia viáveis. Para coletar água de chuva dos telhados é necessário fazer calhas ou bicas e armazená-las em cisternas. Existem várias técnicas desenvolvidas para isto, disponíveis no Brasil. Pode-se usar água da chuva, não tratada, em caixas de descarga de vasos sanitários, para molhar jardins, lavar calçadas, etc. Além disso, pode-se armazenar águas servidas de pias e ralos, após uma filtragem, para reutilizá-las também e para essas mesmas finalidades.
Normas dos código de obras municipais podem exigir que as residências utilizem esses recursos, como forma de economizar água, mas é preciso salientar que o consumo de água doméstico representa apenas 30% do consumo de água humano. O restante é usado na indústria e na agricultura. A irrigação agrícola precisa ser controlada para não esgotar os cursos d'água, mas retorna à natureza em forma de evapo-transpiração. Já a utilizada pelas indústrias é a que mais polui, justamente com os metais pesados. Esta precisa ser controlada com mais rigor, exigindo criatividade tecnológica para reduzir seu uso e para filtrá-la das impurezas depois de usada.
Por fim a sustentabilidade das cidades passa pela sua própria organização interna. O maior inimigo do planejamento urbano é a especulação imobiliária, cujo controle no Brasil é praticamente inexistente, causando imensas distorções e desastres ambientais intra-urbanos, principalmente inundações e desabamentos.
A especulação imobiliária provoca uma contínua valorização dos imóveis, fazendo com que a população de baixa renda seja constantemente expulsa das áreas urbanizadas para periferias sem infraestrutura ou encostas, inadequadas para ocupação. A indústria da construção civil é a maior beneficiada pela valorização imobiliária e por isso resiste à regulações que possam diminuir seus lucros, argumentando que sua atividade gera emprego e renda. Mas os prejuízos causados pela especulação atingem a todos, dividindo a cidade em áreas regulares e invasões, onde as condições de vida são muito ruins.
Muitas famílias sofrem com desabamentos de encostas, com muitas mortes, principalmente de crianças.
A falta de drenagem pluvial, aliada ao lixo que vai parar nas ruas por falta de coleta seletiva e políticas de reciclagem, e também à ocupação de encostas e morros que provocam desabamentos e carregamento de terra das encostas para as ruas, tudo isso provoca inundações (já agravadas pelo aquecimento global e o derretimento dos pólos) que causam doenças e agravam os problemas de saúde.
Para controlar a especulação são necessárias políticas que impeçam a formação de estoques de terras no meio da cidade, que desestimulem o acúmulo de propriedades por uma mesma pessoa e estimulem a construção em áreas que já disponham de infraestrutura urbana. Isso pode ser feito através de leis municipais e políticas fiscais, através do IPTU.
Uma cidade sustentável é, portanto, uma cidade regulada pelo poder público, que precisa desenvolver constantemente políticas públicas para corrigir distorções e estimular um crescimento planejado, e que mantenha uma relação saudável com seu entorno natural.
De nada adianta implantar pequenas medidas de sustentabilidade, se não houver uma visão do todo, um acompanhamento constante das tendências de expansão e de concentração urbana, o que pode ser feito por um Conselho que monitore a implantação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, legislação obrigatória para cidades com mais de 20.000 habitantes, desde 1998.
É no plano diretor que todos os interesses conflitantes na cidade se encontram e podem construir um consenso que permita o desenvolvimento equilibrado. Cabe aos prefeitos e vereadores compreenderem esta dinâmica e implementarem as leis necessárias.
Cabe à sociedade como um todo, se informar sobre essas questões e transformá-las em reivindicações que levem seus representantes a se comprometer com elas.