Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

quarta-feira, 26 de maio de 2010


ENERGIA E ALEGRIA

     
      Prezado amigo leitor.
      Quem assistiu ao programa Roda Viva, na TV Brasil, esta semana, teve a oportunidade de conhecer Jorge Caldeira, o historiador que escreveu História do Brasil com empreendedores (Editora Mameluco – São Paulo, 2009) e também Mauá, empresário do Império, O Banqueiro do Sertão, A nação mercantilista, entre outros.
     Caldeira defende uma revisão histórica, que nos liberte do maniqueísmo dos nossos atuais livros de história, que geralmente apresentam o povo brasileiro sendo formado como vítima das decisões cruéis de senhores de engenhos e colonizadores escravocratas.

     Nessa visão tradicional, o povo é sempre passivo, nunca é agente de sua própria história e fica sempre à mercê das boas intenções de algumas almas boas das elites, que defendem seus interesses, inclusive contando a sua história.
     Já escrevi antes sobre este assunto aqui, quando analisei a obra de Steve Biko, o sul-africano que morreu lutando contra o apartheid na África do Sul. Os negros sul-africanos também tiveram esse problema da tutela ideológica das elites brancas que julgavam saber o que eram melhor para os negros, pobres vítimas incapazes de construir seu próprio destino.
     Steve Biko rompeu com essa tutela com o livro Escrevo o que eu quero, onde questionou a visão passiva que os brancos tinham dos negros e propôs novos caminhos para o movimento negro, se afastando dos liberais brancos (na cultura anglo-saxã, ao contrário da nossa latina, o termo liberal designa pessoa de esquerda. No Brasil ser liberal significa ser de direita).
     A tradição historiográfica brasileira é um pouco assim, na medida em que quem escreveu sobre o povo foram sempre pessoas de famílias abastadas e/ou tradicionais, como Sergio Buarque de Hollanda e Caio Prado Junior.
     O que Jorge Caldeira tentou explicar no debate (ainda não li o livro) é que as análises históricas desprezaram a participação popular, principalmente na economia, já que seu livro tem principalmente um viés de história econômica.
     Em nenhum momento do debate ele levou a questão para o lado ideológico, nem contestou a validade dos estudos que formaram a visão histórica que temos hoje, apenas diz que não havia pesquisa histórica suficiente na época em que Caio Prado e Sergio Buarque escreveram suas obras fundamentais (década de 1930), para compreender o que era a economia colonial.
     Embora a direita tenha comemorado (a Veja adorou), na verdade Caldeira tenta desqualificar essa vitimização do povo brasileiro e do país-nação em que nos transformamos, que só serviria para construir desculpas para o nosso atraso econômico histórico, não contribuindo para enxergarmos os fatos históricos de forma objetiva.
     E quando olha para os novos fatos encontrados observa que nossa população foi muito ativa, procurando sempre alternativas econômicas, interligando as regiões através de tropeiros, garimpeiros, e outras iniciativas pessoais em busca de ganhos, que contradiziam as diretrizes colônias de manter o Brasil sempre trabalhando exclusivamente para a metrópole, criando assim um dinâmico mercado interno que fez nossa economia, já no século XVIII ser maior que a de Portugal.
     Resumindo, ele quer dizer que o povo sempre se virou sozinho, não ficou esperando a política, nem a legalidade e nem mesmo a independência para procurar melhorar de vida. A distância entre uma legalidade feita de cima e uma economia feita por baixo até hoje é facilmente verificada, observando a economia informal.
     Embora o SEBRAE insista com seu modelito de abrir empresas e pagar impostos, os mais pobres sabem que a melhor maneira de prosperar é não se registrar, trabalhar na informalidade o máximo possível, e tratar de fazer sua própria economia, pois as leis favorecem sempre os grandes em detrimento dos pequenos.
     O povo trabalha como pode, mas é ele que reinventa o Brasil todos os dias. O conceito de empreendedorismo é muito mais amplo do que propõe a direita. Não se trata de apoiar o capitalismo, nem de nenhuma questão ideológica, mas de ter iniciativa e não ficar esperando pela tutela dos governos nem pelas promessas dos políticos. Lula é o exemplo do empreendedorismo na política, é o retrato do Brasil reinventado ou reinterpretado à luz do seu povo ativo e prático.
     Fiquei muito satisfeito ao encontrar as idéias de Jorge Caldeira, porque sempre as defendi, sem contar com nenhum respaldo no meio acadêmico. Meu primeiro artigo publicado (1979) foi Arquitetura e Cultura Popular, onde defendia a aplicação da visão estética e construtiva das edificações espontâneas, na arquitetura feito por arquitetos.
     Na vida pessoal sempre admirei e procurei me aproximar de pessoas do povo (inclusive em dois casamentos) por sentir essa energia, mas sempre encontrei barreiras em pessoas que diziam que eu me relacionava com pessoas que não estavam à minha altura.
     Interessante isto, como essa crença na incapacidade do povo de pensar é arraigada nas nossas classes médias, quando na verdade, onde encontro incapacidade de formulação é na própria classe média, sempre copiando idéias importadas da Europa ou Estados Unidos, sempre surfando nas ondas do momento e sempre procurando se mostrar afinada com as idéias de pessoas famosas e prestigiadas.
     Jorge Caldeira nos deu um dado surpreendente sobre isto. Ele disse que a primeira obra literária a apresentar um personagem popular na primeira pessoa (eu) foi de Guimarães Rosa, na década de 30. Até aí o povo era sempre visto de fora (ele), por alguém que o analisava com curiosidade.
     Tenho dois filhos negros e me lembro de como eles detestavam estudar a história da escravidão na escola. Eles diziam que só tinha coisa ruim e que eles não gostavam daquele passado, que deveria haver alguma coisa de bom. Talvez Jorge Caldeira tenha aberto uma nova janela sobre a nossa história, nos mostrando de onde veio tanta alegria e tanta energia desse povo maravilhoso que é o brasileiro.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf