Por Ricardo Stumpf Alves de Souza
sexta-feira, 9 de abril de 2010
REFORMA URBANA
Com a tragédia no Morro do Bumba, em Niterói, as TVs se lembraram de fazer a pergunta: porque são toleradas as ocupações irregulares nas encostas e outras áreas de risco?
Na verdade a pergunta deveria ser um pouco diferente: porque são toleradas as invasões e favelas, não apenas em áreas de risco, mas em qualquer área, permitindo que pessoas vivam em condições sub-humanas no meio das nossas grandes cidades?
Em alguns casos, como o do Rio, mais de 30% dos habitantes da cidade moram nesses aglomerados.
Milton Santos, o grande geógrafo baiano que se dedicou ao estudo das cidades brasileiras, falava em urbanização corporativa, ou seja, uma urbanização determinada pelos interesses das grandes corporações, das grandes empresas.
Segundo ele, as classes sociais têm influência diferenciada nas decisões tomadas pelos governantes. As classes médias conseguem influenciar porque formam aquilo que se chama opinião pública, não se deixando iludir por políticos populistas ou coronelistas, nem precisando vender seus votos. Reclamam muito e podem se tornar incômodas, por isso seus bairros são bem atendidos em infra-estrutura e serviços.
Nas metrópoles os mais pobres conseguiram influencia através dos chamados movimentos sociais urbanos, associações e movimentos que reuniam milhares de pessoas em torno de objetivos coletivos. Na década de 1980 surgiu o Movimento de Defesa dos Favelados, que mobilizou milhões em todo o Brasil e conseguiu que o poder público destinasse recursos para melhorar as condições de vida dos favelados.
Paradoxalmente com a redemocratização esses movimentos refluíram e os mais pobres foram deixados à mercê das barganhas eleitorais, enquanto seus líderes passaram a trabalhar para políticos ou ONGs que, com discursos gerencialistas e localistas, acabaram formando uma enorme indústria de consultorias e se distanciando dos objetivos sociais.
As classes altas são as que estão ligadas diretamente às corporações empresariais, cujos interesses acabam predominando nas decisões dos administradores. Sua ligação com os políticos, quando é honesta, é de uma relação entre poderes. O poder das empresas contra o poder do Estado. Frequentemente o primeiro é maior e prevalece, mas os financiamentos de campanhas eleitorais, os favorecimentos e o suborno puro e simples são muito comuns.
A própria lógica empresarial se tornou mais importante na hora de definir os rumos da cidade, na medida em que o mercado passou a determinar os rumos da economia. Assim, o chamado mercado imobiliário passou a dar as cartas, com apoio das mesmas TVs que agora se perguntam, porque as favelas estão nas encostas há tanto tempo.
O mecanismo especulativo nas cidades é bastante simples. O governo investe o dinheiro público nas áreas que interessam às grandes corporações, valorizando-as para que elas lucrem. Este mecanismo faz com que os preços dos imóveis estejam sempre subindo, excluindo do mercado as classes C, D e E que, para morarem próximos aos seus trabalhos (já que os sistemas de transportes são ruins para estimular o mercado de automóveis) invadem áreas vazias. No caso do Estado do Rio, essas áreas estão nas encostas onde é proibida a construção regular.
Em qualquer outro setor da economia, o Estado utiliza mecanismos de mercado para controlar os preços. Estoques reguladores de combustíveis, liberação de importação da carne ou do trigo, etc., de forma a impedir o aumento que gera desequilíbrios na economia. Só no mercado imobiliário o aumento de preços é visto como normal, já que a acumulação das incorporadoras é feita em grande parte sobre ele.
Enquanto não houver uma intervenção federal reguladora existirão favelas e tragédias como a do Morro do Bumba. Essa intervenção é a chamada Reforma Urbana, que colocaria a qualidade de vida dos cidadãos à frente dos interesses da incorporação imobiliária.
Impedir a valorização dos imóveis deve ser o objetivo dessa reforma.
Nas maiores cidades do mundo, inclusive na América latina, o Estado controla rigidamente o uso do solo urbano. No Brasil, até agora, predominam as medidas paliativas, de programas habitacionais que não resolvem as distorções desse mercado.
Nas últimas eleições municipais, o PV fez algumas propostas nessa área para o Rio de Janeiro, embora ainda um pouco tímidas. A verdade é que essa discussão avançou muito pouco nos últimos anos.
Vamos ver quem tem coragem de mexer nisso.
Abraço a todos
Ricardo Stumpf
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