Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 25 de julho de 2010

FETAG em Rio de Contas

     A Federação dos Trabalhadores na Agricultura - FETAG, iniciou uma promissora colaboração com a CITRUS - Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Rio de Contas, no sentido de fornecer assistência técnica aos seus associados, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio de Contas.
     Os pequenos proprietários do município não contam até hoje com a Assistencia Técnica e Extensão Rural (ATER) que necessitam para desenvolver suas funções, de forma a aumentar a produtividade e a renda através da introdução do planejamento e de novas técnicas de plantio, adubação, poda e comercialização, se libertando do atraso, do isolamento e dos atravessadores.
     Região de vocação agrícola muito forte, Rio de Contas é dominada pelas pequenas propriedades e pela agricultura familiar, mas tem sua produção prejudicada pela falta de informações e apoio técnico dos órgãos de governo.
     Para dar início a esta colaboração foi realizada em Rio de contas, no dia 18 de julho, um curso de adubação orgânica promovido pela CITRUS, que convidou o agrônomo da FETAG, Rodrigo Haun para explicar essa nova técnica. Abaixo vemos fotos da parte prática do curso, ministrado em uma propriedade rural.
    

     O composto orgânico que vai servir de adubo folear (pulverizado sobre as folhas) é produzido com restos de comida, cinzas, esterco de vaca e outros materiais facilmente encontráveis nas propriedades rurais, com adição apenas de um micronutriente comprado no comércio, cujo valor não ultrapassa R$6,00. Depois de 20 dias o composto é coado, diluído em água e aplicado, servindo ao mesmo tempo de adubo e repelente contra pragas. O resultado dessa técnica já pode ser sentido pelos horticultores de Anagé, cuja produção triplicou em pouco tempo, aumentando produção e renda dos agricultores (veja vídeo a respeito em www.ibahia.com/bahiarural videos do dia 11/07 - agricultura orgânica no sudoeste e chapada).
     A intermediação entre CITRUS e FETAG foi feita pelo vereador Jean Fabrício, de Vitória da Conquista, que é candidato à deputado estadual pelo PCdoB. Esperamos que, se eleito, Fabrício continue colaborando para o desenvolvimento do associativismo e da produtividade da agricultura na região da chapada diamantina e dialogando com os movimentos sociais de Rio de Contas.
     Os interessados em pegar a receita, assim como a apostila do curso, procurar Aníbal Junior em Rio de Contas, na Ourivesaria Belas Artes (em frente à Padaria Belo Pão) ou pelo e-mail renascerrc@gmail.com.

    Decadência

     O governo Municipal de Rio de Contas está numa espiral de decadência impressionante. O prefeito deixa os secretários fazerem o que querem, enquanto cuida de seus interesses particulares. O Secretário de Agricultura, que participou do curso promovido pela Associação, nos disse que possui dois agrônomos e três técnicos agrícolas na sua secretaria, e não coloca nenhum para atender aos agrcultores. Disse ainda que sabia qual era a praga que dizimou as plantações de morango no município e, no entanto, que eu saiba, não mandou o resultado para os produtores. Dá impressão de que trabalha apenas para se reeleger vereador pelo distrito de Mato Grosso (onde perdeu a última eleição). Enquanto isso, nossa Associação batalha para conseguir um técnico agrícola para atender os agricultores do município.
     Não fazem nada pelos produtores rurais, vivem de reuniões e planejamentos, não dão assistência técnica nenhuma.
     Assim também a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (do governo do Estado) que tem um agrônomo em Rio de Contas, que parece só trabalhar para eleger o filho do presidente da EBDA como deputado, prometendo tudo aos agricultores e não fazendo nada.
     Tudo isso, ao que me consta, é crime eleitoral, mas a cidade está sem juiz e sem promotor púiblico, que defendam a cidadania desses desmandos.
     Democracia não existe. Quem votou contra esse governo é perseguido e não tem direito a nada. Se surge uma obra logo aparece o assessor do Prefeito que funciona como um comissário político, para decidir quem pode e quem não pode ser contratado. Até os peões de obra são escolhidos a partir de critérios políticos.
     Não há propostas em nenhuma área, tudo parado. A cultura continua nas mãos de pessoa incompetente (será que ele já leu algum livro na vida?), mais ligada ao turismo, que não deixa nada acontecer que não seja em benefício próprio.
     E mesmo o turismo, cujo Secretário parece contaminado pelo imobilismo geral, está parado. Em plenas férias escolares no sul/sudeste/centro-oeste, a cidade está vazia, enquanto Lençóis fervilha de turistas.
     A Secretária do Meio Ambiente, minha amiga de tantos anos, deixou de falar comigo devido às minhas críticas ao prêmio de Cidade Baiana da Cultura, dado a uma cidade que oprime os artistas e persegue a inteligência e a criatividade. Essa foi realmente uma decepção muito grande, ver uma pessoa inteligente como ela se bandear para o lado desse tipo de política mesquinha.
     De resto ninguém faz mais nada, a não ser exibir carros novos e se encontrar em rodinhas no restaurante Quintal para comemorar sua hegemonia sobre a cidade. 
     Mas tenho fé que dentro de dois anos esse grupo infeliz que se apoderou do poder em Rio de Contas será banido pelos eleitores e, quem sabe, teremos um(a) Prefeito(a) empreendedor(a), capaz de construir um futuro de democracia e prosperidade para esta terra abençoada.
     Por questões de saúde na minha família estou me ausentando da cidade, voltando a residir em Brasília. Levo comigo a mágoa de ver nossas esperanças neste governo frustradas desta maneira, mas também levo a certeza de que a mudança virá.
     Água mole em pedra dura...
    
    
Histórias de outras vidas (21)

   ANA LÚCIA
     Ela era linda.
     Seu irmão tinha sido meu colega de colégio. Gente boa, paranaense, a família morava na mesma quadra que eu.
     Comecei a namorar Ana Lúcia depois que voltei de São Paulo, em 1971. Eu estava numa época de grandes mudanças, afirmações e preparo para a Universidade, época em que entrei num profundo questionamento sobre a vida que levava, a realidade política do Brasil da época e estava me afastando dos antigos amigos e até da minha família, disposto a conviver com mentes mais abertas e progressistas.
     Ana pertencia ao mundo que eu estava deixando, era muito jovem e nosso namoro foi meio sem graça, principalmente da minha parte, que a via como parte de tudo aquilo que eu queria deixar.
     Além disso havia um desânimo grande com tudo, que me penetrava por todos os poros e me fazia jazer naquele torpor típico de crises adolescentes. Com 20 anos, eu me cobrava soluções e decisões para sair de uma situação com a qual eu já havia rompido e depois tinha voltado atrás.
     Decidi terminar com ela e quando lhe falei ela me surpreendeu, retrucando com amargura, que eu não gostava dela, mas que ela sim me amava de verdade.
     Fiquei perturbado com sua sinceridade e com a intensidade de seus sentimentos e me senti pior ainda. Percebi que eu nunca a havia visto como ela era, realmente, mas que por detrás daquela jovem de classe média, filha de um deputado, linda e aparentemente fútil, havia uma vontade forte e talvez, como eu, um desejo de mudança.
     Meu julgamento a seu respeito havia sido preconceituoso?
     Haveria eu julgado apenas pelas aparências, sem olhar a mulher que surgia dentro da garota? Tudo indicava que sim, mas isso não mudava o fato de que meu coração estava frio em relação a ela. Ela tinha razão: eu não a amava. Mas ela merecia ser amada e eu me senti um idiota, de novo.
     Passado algum tempo, fiquei sabendo que Ana estava namorando um professor de física que havia fundado um dos primeiros cursinhos pré-vestibulares de Brasília. Ele ficou rico de um dia para outro. Seu curso foi um sucesso instantâneo e ainda hoje é um dos maiores da capital.
     Mas que mudança! Então a frágil mocinha se lançava a namorar um sujeito muito mais velho que ela, como se quisesse romper com o estigma de moça bem comportada, casadoura, que as antigas famílias reservavam para suas filhas na época. Minhas suspeitas se confirmavam. Por trás daquela carinha inocente havia inteligência...e vida!
     Passei a acompanhar as notícias dela. Brasília, em 1971, tinha pouco mais de 200.000 habitantes, não era difícil saber o que acontecia. Morando na mesma quadra, menos ainda.
     Comecei a supeitar que tinha perdido uma oportunidade de conhecer uma pessoa muito mais bonita do que parecia à primeira vista e voltei a pensar nela, com intensidade.
     Um dia fui com uns amigos à Goiânia, numa velha perua Kombi de meu pai. Ao retornar, estacionando debaixo do bloco, tive um estranho pressentimento. Algo acontecera e eu saberia em momentos o que fora.
     Esses pressentimentos me acompanharam a vida inteira e me salvaram algumas vezes de acidentes e situações perigosas ou traiçoeiras.
     Ao subir, minha mãe veio logo me dizendo:
     _Senta que eu tenho uma notícia ruim.
     Como eu já estava esperando, não me surpreendi muito.  Mas a notícia me pegou em cheio:
     _Ana Lúcia morreu.
     O quê? Como?
     Acidente de carro. Na noite anterior, o tal professor tinha colocado quatro pessoas num carro esporte (um pequeno Puma) onde só cabiam duas e depois de uma festa saiu em alta velocidade, perdeu o controle e bateu na coluna de um viaduto.
     Morte instantânea para os quatro.
     Naquele dia tive a noção exata de que o amor havia batido à minha porta e eu o havia deixado escapar. Mais do que isso, me senti um pouco responsável por aquela morte tão prematura e, se já estava me sentindo mal naquele ambiente, me senti mais desamparado ainda, o que ajudaria a me decidir a partir no ano seguinte.
     Como todas as pessoas que foram importantes na minha vida, não esqueço de Ana Lúcia e do seu olhar magoado na despedida, me dizendo amargurada que eu não sabia amar.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza



segunda-feira, 19 de julho de 2010

DULCINA

     A Mostra Dulcina de artes cênicas e artes plásticas, que ocorre a cada final de semestre em Brasília, é um exemplo de interação entre uma instituição de ensino e sua cidade.Todo semestre são muitas peças de teatro e exposições de artes plásticas, com entrada grátis para o público braziliense. Este mês de julho pude assistir a duas peças, Aurora da Minha Vida (foto acima) de Naum Alves de Souza e Anjo Negro (abaixo), adaptação da obra de Nelson Rodrigues. O talento de atores e diretores e a seriedade da mostra, garantem a qualidade dos espetáculos.
      O interessante é que a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, funciona em lugar precário, é particular, não recebe nenhuma ajuda do governo do Distrito Federal e apesar de viver em eternas dificuldades financeiras, cobra relativamente barato, atendendo uma faixa da população que não consegue entrar na elitizada UnB.
     Mas é lá que se sente a vibração da arte, talvez por ter sido fundada por artistas, com a finalidade de desenvolver e difundir as artes cênicas e plásticas, está muito distante das universidades caça-níqueis particulares que povoam nosso país, com a única finalidade de obter lucros (o site é http://dulcina.art.br/fadm/site/).
     A Dulcina é realmente um templo da arte e da cultura, de onde saem os principais atores que militam no cena cultural braziliense. Falta o GDF fazer alguma coisa por ela, ajudando a fazer crescer a semente plantada pela saudosa atriz Dulcina de Moraes, que abandonou o Rio de Janeiro, depois de uma carreira consagrada para semear no solo de Brasília seu amor pelo teatro e pelas artes em geral.
     Quem sabe Agnelo Queiroz, uma esperança de renovação para Brasília nas próximas eleições para governador, ajude a fazer crescer esse sonho, desapropriando parte do decadente conjunto conhecido como CONIC (inclusive o antigo Cine Atlântida, um dos melhores cinemas de Brasília, perdido para Igreja Universal), para que a faculdade possa se expandir sem precisar pagar aluguel, com verbas também para reforma do prédio que ocupa atualmente.
     Brasília merece.


sábado, 17 de julho de 2010

Histórias de outras vidas (20)

CONVERSA NO TREM


     O ano era 1974. Me lembro bem porque era dia de jogo da copa do mundo de futebol na Alemanha. E onde eu estava? Na Alemanha, por acaso, passando de trem, vindo da Suécia para a Bélgica.
     Sim, eu tinha ido visitar um amigo brasileiro, que conheci em Santiago do Chile (dividiamos um apartamento) e que ficou exilado na Suécia depois do golpe de Pinochet. Saí do Chile para o Brasil de férias, em setembro de 1973 e não pude mais retornar por causa da situação política. Fui então reencontrá-lo em Gotemburgo, na Suécia. De lá peguei um trem com destino a Bruxelas, para onde estava indo morar, fugindo da repressão no Brasil, destino a que cheguei depois de muitas baldeações pela Europa.
     Foi num dos trechos desta viagem que caí numa daquelas cabines cara dura, em que passageiros que não se conhecem sentam-se uns de frente para os outros e ficam se olhando sem ter o que dizer.
     Nessa cabine iam; um americano sentado em frente a mim, dois marroquinos ao meu lado direito e um casal de australianos ao lado do americano. Pra passar o tempo comecei a ler um livro e o americano, vendo o título em português, puxou conversa em inglês, perguntando se eu era brasileiro. Respondi no meu inglês macarrônico e ele me disse que havia morado no Brasil e que era uma espécie de desertor do Vietnã, ou seja, tinha saído dos Estados Unidos para não ser convocado para a guerra.
     Demonstrei minha simpatia pelo gesto já que eu, como toda a juventude do mundo naqueles tempos, era contra aquela guerra absurda. Ele me disse então que estava fazendo uma pesquisa sobre a violência. Parece que era uma tese de alguma pós-graduação e envolvia o Brasil, já que ele tinha coletado dados por aqui também.
     O debate foi ficando interessante, mas não conseguíamos explicar muito nossos pontos de vista, porque eu me expressava mal em inglês e ele mal em português, embora ambos entendessemos o que o outro falava na sua língua natal.
     Então resolvemos falar eu em português e ele em inglês. Eu dizia o que achava em português e os marroquinos e os australianos ficavam me olhando com cara de besta. Depois ele respondia em inglês e pelo menos os australianos entendiam a resposta.    
     Os marroquinos, quando entendiam alguma coisa, davam palpites em francês, que eu arranhava também, e os australianos se metiam no raciocínio do americano mas não entendiam o que eu falava e o que os marroquinos falavam comigo (nem o americano que não falava francês).
     Pra completar a confusão o jogo que estava sendo disputado na copa naquele dia era Brasil e Marrocos (e que alguém ouvia em um rádio) e quando saía algum gol eu e os marroquinos ficávamos muito agitados até entender de quem era.
     Isso levou horas.
     O foco principal da pesquisa do americano era o que alguns chamam hoje de mal americano, ou seja, a prática quase habitual naquele país de um indivíduo sair atirando à esmo pelas ruas, shopings, escolas ou outros locais públicos, matando quem vai passando.
     Eu dizia que o mal estava no capitalismo, no way of life americano, e os australianos concordavam, mas ele não aceitava (os americanos nunca aceitam que o sistema deles possa estar errado) e tinha umas teorias meio enroladas para explicar o fenômeno.
     E assim fomos cruzando a Alemanha até chegar na cidade de Aachen, onde tive que descer já tarde da noite, para pegar outro trem que me levaria direto a Bruxelas.
     Mas depois de algumas horas a conversa tinha se generalizado a tal ponto na cabine, que não sabíamos mais em que língua estávamos falando.
     Um norte-americano, dois australianos, um brasileiro e dois árabes, haviam descoberto que todos pertenciam à mesma espécie e que o mundo poderia ser bem melhor.
     Uma euforia foi tomando conta daquele estranho grupo e pode-se dizer que uma amizade múltipla começou a nascer. E naqueles tempos difíceis, quando a guerra do Vietnã chegava ao seu auge, com os ataques vietcongs que já prenunciavam a derrota norte-americana, celebramos a paz do nosso jeito.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

domingo, 11 de julho de 2010




    Bolero

      Noite de sábado em Salvador, um bar qualquer na Barra e um pequeno conjunto toca num ritmo gostoso, músicas antigas e novas, gêneros misturados. O pequeno público espalhado em meia dúzia de mesas canta junto, alguns mais afinados pedem pra cantar ao microfone e surpreendem: verdadeiros cantores anônimos.
      Do outro lado da rua, um catador de latas começa a dançar. Ninguém presta muita atenção, mas ele não canta pra aparecer, parece estar realmente embalado pela música. Um freguês, sentado a uma roda de homens muito animada, atravessa a rua e lhe entrega um copo de cerveja. Volta e continua bebendo e dando risadas com os amigos. A solidariedade se instala naquele canto de mundo.
      Carros brilhantes passam devagar, curiosos pelo intrigante fenômeno da alegria coletiva e saltam deles pessoas bem vestidas, que em outros ambientes estariam preocupadas em mostrar carros e roupas, mas ali, despem-se de vaidades e se reúnem ao grupo que vai aumentando. Sentem-de bem, libertos das competições, contaminados pela atmosfera democrática. Gente de todas as cores, idades e rendas bebe da cerveja da solidariedade e canta a alegria de viver, recordando-se de que é possível ser feliz num mundo chato, que nos transforma em competidores mesquinhos e consumidores idotas.
     A celebração da vida no pequeno e despretensioso bar, me lembrou de como nos tornamos distantes de coisas que nos pertenciam. A copa do mundo, futebol alegria do povo, virou um grande negócio que faz fortunas e movimenta bilhões. Ainda é bom? É, mas começa a ficar chato quando vira uma obrigação de vencer, o tal futebol de resultados. Perde a alegria, a arte, a brincadeira. Claro que esporte é competição, mas alguém se lembra do que era futebol amador?
     E a política? Vocês já viram uma campanha eleitoral mais distante do povo que esta? Tudo é resolvido em conchavos, acordos, alianças, à custa de promessas de cargos e outras coisas impublicáveis, mas que todos nós sabemos como ocorrem entre o que financiam as campanhas e os candidatos.
     Serra tem cara de vampiro, apesar das plásticas. Dilma ficou com um visual ótimo, que no entanto, não combina com a sua voz, que continua a mesma, como no antigo anúncio. Ainda não dá pra fazer plástica na voz e ela revela muito da personalidade. Por trás da cara recauchutada surge a velha voz autoritária, dura.
     Marina Silva tenta ser doce, tenta ser a volta de um sonho, um Lula de saias, com seu passsado pobre, mas não convence muito quando se alia a um mega-empresário. Na verdade tudo parece um remake de filme antigo, que já assistimos e ficamos tentando lembrar, achando que a primeira versão era melhor. Aí podemos escolher: filme de terror, com Serra (A volta dos mortos vivos ou A privatização contra-ataca?), filme policial com Dilma (Dura de matar?), ou um musical holiwoodiano com Marina (A noviça rebelde da floresta...).
     Aliás os dois últimos governos, Lula e FHC (e lá se vão 16 anos de social-democracia) nos governaram, sem que participásssemos deles. Já perceberam? Não fomos chamados para nada, nem para opinar, nem para nos mobilizarmos, nem mesmo para referendar nada. Tudo conchavos e acordos distantes do povo. Enquanto isso, o capitalismo, com ajuda dos donos da mídia e da opinião pública, segue nos transformando em robôs consumidores, aos quais não é dado o direito de mudar nada.
     A música no bar me trouxe de volta à realidade da nossa cultura e da nossa força, enquanto povo capaz de comandar seu próprio destino. Entre sambas, boleros, bossa-nova e jazz, me lembrei de que nós estamos vivos e podemos mudar tudo isso.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

domingo, 4 de julho de 2010

Brincando de se preocupar

     O Correio Braziliense do domingo, 04 de julho, publicou editorial enfocando a baixa qualidade do ensino no Brasil, comprovada pelo IDEB, Índice de Educação Básica, divulgado esta semana pelo MEC.
     Às constatações de níveis insuficientes, comparados com países vizinhos e outros mais desenvolvidos, segue-se o tradicional esperneio, de que é preciso melhorar, de que disso depende o futuro do Brasil no mundo, de que este é, enfim, o calcanhar de Aquiles, o ponto fraco do Brasil. Segue-se o também tradicional apelo para que os eleitores pensem nisso nas próximas eleições e escolham candidatos que tenham propostas na área de educação.
     Mas curioso, o jornal não apresenta nenhum caminho, nenhuma proposta. Se observarmos os candidatos a Presidente da República ou a cargos legislativos, veremos que tampouco há propostas concretas, que saiam do mero esperneio do tipo precisamos melhorar a educação. Ninguém diz como, nem o que fazer. Porque?
     O debate sobre educação estacionou desde a nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996, capitaneada por Darcy Ribeiro. Crítico e adversário político do PT, Darcy foi duramente combatido por professores e sindicalistas petistas que colocaram seus interesses corporativos e eleitorais acima dos interesses nacionais, contaminando um debate que poderia ter sido mais amplo e mais eficaz. De lá pra cá, não se pode tocar em alguns pontos chaves da educação brasileira sob pena de ser acusado pelo petismo inconsequente de ser darcysista ou brizolista.
     Talvez agora que os dois, Darcy e Brizola, não estão mais entre nós, se possa recuperar um pouco do bom senso e retomar o debate, procurando soluções para a educação longe de interesses político-partidários. O fato é que a educação brasileira padece de um mal crônico, ao qual Darcy sempre se reportava, e que irrita profundamente os sociais-democratas do PT: a municipalização.
     Houve um debate intenso entre Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, arquiteto de toda essa estrutura de descentralização da educação implantada hoje no Brasil, que delega a educação primária (sim, ainda é assim que eles falam) aos municípios e a secundária aos Estados, restando à União o ensino superior.
     Darcy não concordava com a descentralização por saber que as forças políticas municipais, na maior parte do Brasil, eram (e ainda são) extremamente retrógradas, não tendo nenhum interesse em educar o povo. A mesma coisa acontecia em alguns governos estaduais de regiões mais atrasadas. Entregar a educação a eles era o mesmo que negar a educação ao povo pobre, trabalhador, explorado pelos fazendeiros e pelas famílias tradicionais dessas regiões.
     Anísio se baseava em ideais importados dos Estados Unidos onde as comunidades protestantes do interior zelavam muito pela educação, porque o elo que os mantinha unidos e vivos era a leitura da Bíblia. Era, portanto, preciso saber ler e interpretar. Daí a importância da educação.
     Mas num Brasil historicamente escravocrata esse princípio da comunidade não prevalece, pelo contrário, qualquer iniciativa comunitária é vista com suspeição pelos coronéis do interior, que ainda subsistem nos nossos grotões e nas mentes de muitos políticos de atuação estadual ou nacional.
     Desde a primeira Constituição Brasileira, outorgada por D. Pedro I, que esse debate subsiste. A Constituição tornou obrigatória e leiga a educação, o que teria transformado radicalmente a ex-colônia se os adeptos dos coronéis da política não tivessem aprovado uma emenda passando a responsabilidade sobre a educação para as antigas Províncias, onde nunca foi levada a sério.
     No debate sobre a primeira Lei de Diretrizes e Bases, finalmente aprovada em 1961, tentou-se estabelecer o monopólio do Estado sobre a educação, mas a direita raivosa, capitaneada por Carlos Lacerda e pela Igreja Católica, conseguiu impedir e manteve esse sistema de duplo ensino, público e privado, que permitiu transformar a educação em um negócio lucrativo, que limita a atuação do Estado ao atendimento dos mais pobres, empobrecendo todo o sistema.
     Os problemas, no entanto, continuam os mesmos, só que ninguém quer tocar no assunto. Tudo vira um problema de gestão na ótica gerencialista neoliberal, e ninguém mais discute os fundamentos.
     Mas é só olhar para os resultados e ver que esse sistema não funciona. As melhores escolas são todas federais, as piores são todas municipais, junto com muitas outras estaduais.
     A solução para a educação no Brasil é federalizar as escolas, como propunha Darcy Ribeiro. Isso não quer dizer necessariamente centralização. As escolas podem ser geridas pelas comunidades escolares, que elegeriam um único conselho escolar composto por pais, professores e alunos maiores e votantes (em lugar dos vários conselhos existentes hoje), que por sua vez elegeria um professor como diretor e assim seria feito.
     As Prefeituras não teriam nada a ver com isso e caberia às Secretarias Municipais de Educação apenas fiscalizar o sistema. Darcy deixou um espaço aberto para isso dentro da lei, criando à alternativa do Sistema Ùnico de Educação, baseado no SUS, como forma de retirar o controle das elites conservadoras do interior sobre a educação. Mas pergunte ao movimento sindical dos professores se eles querem discutir isso?
     O outro ponto necessário seria a estatização de todo sistema de ensino, acabando com as escolas particulares. Aí sim, com todo o ensino público e federalizado teríamos a revolução na educação que o Correio Braziliense reclama, e colocaríamos o país no século XXI, alavancando nosso desenvolvimento.   
     Mas teríamos que enfrentar a fúria da Igreja Católica e dos que fizeram fortunas com cursinhos e universidades caça-níqueis e, com certeza, também da social-democracia representada pela maioria dos partidos políticos brasileiros de hoje, capitaneados pelo PT e, com certeza, do próprio Correio Braziliense.
     Enquanto ninguém tiver coragem de topar essa briga continuaremos brincando de que estamos preocupados com a educação e ela continuará sendo esse teatro do absurdo que é hoje.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf









Histórias de outras vidas (19)


SAM


O ano era 1972. Eu morava em uma república de estudantes, na superquadra 110 sul, em Brasília.
     Tinha brigado com a família, saído de casa e, depois de bater cabeça por várias pensões e quartos de aluguel, fui chamado por um ex-colega de trabalho do Banco Regional de Brasília, para dividir um quarto na tal república.
     O dono do apartamento era funcionário de um tribunal, solteiro e precisando de dinheiro. Ele ocupava o maior quarto. No fundo do corredor dois quartos, um que dava para a frente do edifício, ocupado por um solteirão, já aposentado e outro que eu dividia com meu colega.
     No pequeno quarto de empregada, morava o irmão do dono.
     Na sala apenas uma mesa com algumas cadeiras. Na cozinha, nada além da pia. Ninguém cozinhava ali. Uma vez por semana uma faxineira fazia uma limpeza muito mal feita, certa de que nenhum daqueles rapazes iria notar a má qualidade do serviço.
     À noite a circulação de mulheres era intensa, com uma característica: ninguém via ninguém. Era só chegar com alguma menina, deixá-la esperando, entrar e avisar o pessoal. Todos se recolhiam aos seus quartos e não apareciam enquanto não fosse dado o sinal. As moças podiam jurar que ali não morava ninguém.
     Apenas eu e meu colega precisávamos combinar a hora, pois dividíamos o mesmo quarto. Ele, porém, não levava mulher pra lá. Tinha uma namorada, Rita, havia muitos anos, e se encontravam no apartamento dela.
     Eu a conhecia bem. Era moça pobre, do interior, batalhadora, já passando da idade, vivia na esperança de se casar, mas ele só enrolava, desfrutando do amor dela enquanto permanecia solto.
     Quanto a mim, vivia muito só numa cidade vocacionada à solidão, em um tempo sem aids e praticava o sexo olimpicamente, como um esporte.
     Estudando na Universidade de Brasília, eu havia deixado o Banco, meu primeiro emprego, devido à instabilidade em que vivia, e fui ser vendedor para um fundo de investimentos, o Fundo Halles. Um emprego horrível. Andava muito e só ganhava o que vendia. Mesmo assim, tinha que esperar que os compradores pagassem em dia sua prestações.
     Era uma época ruim. Ditadura militar, governo Médici, auge da repressão política.
     Eu, um estudante de arquitetura revoltado com tudo aquilo, tinha ainda que aturar uma família que apoiava a ditadura e só pensava em status e dinheiro, tentando me comprar com presentes caros para que eu abandonasse aquelas idéias de comunista e voltasse ao que eles chamavam de realidade.
     Tudo muito ruim.
     A república, as meninas e as bebedeiras no Beirute, bar que ficava em frente ao edifício (e que na época ainda não era um bar gay), eram uma forma de escapar de tanto sufoco e da falta geral de perspectivas.
     Eu freqüentava uma outra república, onde morava Rita, junto com outras meninas e rapazes. Lá tudo era muito diferente. Os rapazes eram todos gays e as meninas, Rita e Regina, conheciam muitas pessoas com a cabeça aberta, gente de outros países, pós-graduados, gente de esquerda, místicos, enfim, de tudo.
     Lá eu conseguia conversar e conhecer gente interessante, me libertando um pouco do sufoco machista autoritário, da ditadura e da classe média fascista.
     Um dia apareceu uma garota, trazida por um dos meninos. Eles a chamavam de Sam e ela era do interior de Minas. Gostei logo dela. Conversamos muito e ela me disse que queria ir para os Estados Unidos.
     Como todos nós ali, ela procurava um meio de escapar da triste realidade que se vivia no Brasil dos anos 70.
     Nossa amizade cresceu. Um dia, acostumado à prática desportiva do sexo, levei Sam para o apartamento e...surpresa, descobri que ela era virgem. Deixei que ela decidisse, mas ela quis e tivemos um relacionamento muito bonito, intenso, apaixonado.
     Alguns dias depois Sam se foi, deixando em mim o gosto do amor. Sam foi o primeiro amor da minha vida. Sua passagem pelo meu mundo triste e solitário iluminou tudo, me mostrando um sentido para a vida.
     Vi que não valia a pena permanecer ali e que o único caminho era o que ela havia escolhido: deixar o Brasil. Alguns meses depois eu partiria também, para o Chile, onde vivi durante um ano e um mês, e depois para a Bélgica, onde fiquei mais um ano.
     Sam foi uma porta que se abriu, me mostrando que era possível viver e ser feliz, me resgatando das mãos da tristeza e da desesperança. Ela nunca se foi do meu coração. Sua lembrança ainda mora lá.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf