Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

sábado, 28 de janeiro de 2012


Os pictos e o imaginário anglo-saxão

     Se tem uma coisa que os ingleses e americanos detestam é a história dos povos bárbaros.
     Eles não suportam a idéia de que foram colonizados e civilizados pelos latinos do império Romano.
Mas a história é essa mesma. Quando Julio César invadiu a antiga Britania, os povos que habitavam as ilhas britânicas eram bárbaros, que se organizavam em tribos e viviam guerreando entre si.
     No dizer moderno, eram índios.
     Os romanos conseguiram dominar e romanizar os povos que habitavam o território que hoje corresponde a Inglaterra, mas nunca conseguiram vencer os Pictos, povos que habitavam o território da antiga Caledônia, atual Escócia.
     Os pictos estavam lá há mais de 1000 anos, quando os romanos chegaram, no século I dC e foram denominados assim pelos romanos, em função das suas pinturas corporais (Pictis)
     A pedra com inscrições à esquerda é um monumento picto. À direita uma representação deste povo.
     Os celtas chegaram muito depois e foram habitar, principalmente, o que hoje corresponde à Irlanda.
     Os celtas eram altos e brancos e praticavam a religião dos druidas. Os pictos eram mais baixos e morenos, de cabelos escuros, e tinham o hábito de pintar todo o corpo, principalmente de azul e também se cobriam com tatuagens coloridas. Alguns historiadores supõem que eles sejam originários da península ibérica, pelo seu tipo físico. Outros dizem que eles teriam vindo da Europa Central.                                
       Roma nunca conseguiu vencer os pictos e, por isso, o imperador  Adriano mandou construir uma muralha separando o território romano do território dos bárbaros. É a famosa Muralha de Adriano, que ainda está de pé em alguns locais, dividindo a Grã-Bretanha ao meio, como se vê no mapa à direita.
     Abaixo, à esquerda, uma foto de parte dessa muralha conservada até os dias de hoje 
     Mas no cinema americano, os romanos são sempre os maus e os selvagens são glorificados, como se fossem os vencedores. Eles inspiraram muitos filmes de ficção, como Conan o Bárbaro, Highlander e mesmo os guerreiros azuis de Avatar. Também inspiraram aquele joguinho chamado RPG, que por sua vez inspirou a trilogia O Senhor dos Anéis, todos glorificando os povos bárbaros.
     Mas a verdade é que os romanos nunca foram vencidos pelos ingleses, mas abandonaram a Britânia pela necessidade de sufocar revoltas em outras partes do império que lhe davam muito mais trabalho, já que os anglos e os saxões se tornaram súditos bem comportados de Roma.
     Mais do que isso, os ingleses absorveram toda a cultura romana, suas leis, sua arquitetura e até seus vícios imperiais. A língua inglesa está cheia de expressões latinas e mesmo os pictos e celtas, frequentemente faziam acordos com os romanos para cessarem as hostilidades, havendo comércio regular entre eles.
     Com o tempo celtas e pictos se misturaram, tornando-se um só povo, embora até hoje Escócia e Irlanda tenham suas tradições diferenciadas, seus territórios e, principalmente, mantenham muitas divergências com os ingleses que vivem no sul das ilhas.
     Quando o cristianismo foi introduzido nas ilhas, primeiro pelos romanos convertidos e depois por missionários junto aos outros povos, os druidas foram perseguidos e sua religião desapareceu, deixando atrás de si lendas de duendes e fadas.
     Mas nenhum filme produzido por eles conta essa história direito. Sempre se tem a impressão de que os ingleses se fizeram por si próprios, se civilizaram a eles mesmos e que os romanos foram vencidos. Mas não foi assim. Eles são fruto da colonização romana, assim como os países latinos que colonizaram
                                       nuestra América. A diferença é que Lisboa já era uma grande cidade fenícia, quando os romanos a dominaram, no tempo em que Londres e Paris eram pouco mais que vilarejos. Na verdade a velha Olissipo, que depois se tornou Olissipona no latim vulgar e derivou para Lisboa, se aliou a Julio Cesar na conquista da Península Ibérica, se tornando uma das primeiras províncias fora da Itália a ganhar a cidadania romana. Então temos razão em nos orgulhar de sermos descendentes do grande império latino, enquanto eles se envergonham de terem sido civilizados por eles.
     Por último lançaram agora um filme chamado Centurião, sobre o desaparecimento da IX Legião romana, conhecida como Hispana, que no ano 117 partiu para o território picto e nunca mais voltou. Um mistério que nunca foi esclarecido, mas que no filme vira mais uma derrota de Roma para os pictos.
     Agora me digam se não é interessante esse desprezo que eles tem pelo latinos? Não é impressionante a maneira como mascaram a história para se convencerem que são superiores e esconderem seu passado selvagem, glorificando os guerreiros azuis e demonizando o império que lhes deu sua cultura atual?
     Essa vontade de rever a história, para glorificar povos antigos, também está na origem do renascimento de seitas de bruxaria, do culto aos duendes, fadas e outras divindades do mundo pagão, tão em moda na nossa classe média esotérica desde os anos 1980. Mas a história real é outra.
    

Um comentário:

Unknown disse...

Maravilhoso post. Sempre fui fã dos portugueses mas não sabia que eles ajudaram a formar esse império e de que já eram desenvolvidos quando os romanos chegaram.